A realidade tende a repetir-se ciclicamente e nem sempre à tragédia sucede a grotesca comédia. Que o digam os norte-americanos e as suas assombrações: nos tempos da Guerra Fria acreditavam piamente na capacidade soviética em fazerem lavagens ao cérebro aos seus prisioneiros. Assim explicavam o facto de que aviadores capturados durante a Guerra da Coreia afiançassem a culpa de terem despejado armas biológicas nos céus inimigos. Mas, quando esclareceram os métodos praticados com esses «traidores» sumariamente sujeitos a tribunal marcial ao regressarem a casa, tiveram de reconhecer que a autoria das torturas saía à casa, porque tinha sido em solo americano, e mais concretamente nas plantações do sul, que os donos dos escravos inventaram aquela que os nossos presos da Pide conheceriam como estátua.
Agora a nova assombração é a capacidade chinesa em apossarem-se do ADN dos norte-americanos. Uma reportagem do 60 minutos põe um Edgar Hoover dos tempos modernos a lançar o pânico nos telespectadores quanto à possibilidade de verem o seu «admirável» sistema de saúde tomado de assalto por empresas a soldo do Partido de Xi Jinping com tudo o que isso implica em controle das suas vidas e mentes.
Que os norte-americanos andam muito à frente na criação daquilo que crismam de «tortura limpa» prova-o a história do século transato, quando o nome maior da Associação Americana de Psiquiatria, Ewan Cameron trabalhava para a CIA, fazendo dos seus doentes as cobaias dos métodos, que associavam eletrochoques, curas de sono e privação de sensações. Ou os neurólogos Harold Wolff e Donald Hebb, que criaram um manual de interrogatórios - o Kubark - que a mesma CIA poderia utilizar com quem lhe caísse na alçada. Alguns dos conselhos aí prodigalizados foram aplicados em Abu Ghraib ou em Guantanamo, apesar de ser consensual entre os académicos dos nossos dias em como nenhuma informação relevante consegue extrair-se de quem quer que seja através desses métodos. E, no entanto, eles foram publicitados como mais do que justificados nessa execrável série protagonizada por Kiefer Sutherland - 24 - que levou milhões de apreciadores a identificarem-se com os interesses norte-americanos perante inimigos obviamente apresentados como crápulas hediondos, contra quem quase todos entenderiam justificável aplicar a tortura ou a morte.
Se quem comanda a política de Washington tem tanta obsessão com o que os chineses possam conseguir é por saberem que só os aterroriza não chegarem a esses temíveis objetivos antes deles. Na chamada guerra contra o terrorismo, os norte-americanos sempre derivaram para uma crueldade que, ademais, quando denunciada e sujeita a tribunais, só penalizou os executantes de baixo escalão e eximiu de culpas quem os comandou e manipulou.
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