Ilha sangrenta e sombria, mas ao mesmo tempo esplêndida. Foi assim que Russell Banks qualificou a Jamaica, onde passou uma temporada nos anos 70.
Escritor progressista, oriundo da classe operária, e com a má consciência dos brancos perante o racismo, seduziu-o uma ilha, então liderada pelo carismático Michael Manley, que exasperava o Pentágono e a CIA com a indisfarçada amizade com Fidel Castro. No romance, então iniciado - The Book of Jamaica - adota como narrador um alter ego decidido a procurar a Jamaica profunda, onde o preconceito de cor da pele não fizesse sentido. Daí partir para Accompong nas montanhas, território dos quilombolas, que descendiam dos escravos fugidos das plantações britânicas e daí haviam combatido as forças coloniais, sempre em vão enviadas para os derrotar.
A experiência salda-se, porém, numa desilusão para Banks: embora tudo procure saber sobre a sua história e os seus ritos, os anfitriões não conseguem evitar o desconforto perante aquele branco ali chegado de nenhures para lhes investigar a identidade e costumes. Influenciado pelas drogas, o protagonista desenvolve receios paranoicos e transfere-se para a costa oriental da ilha, esperançado em encontrar nos pescadores de San Antonio os genuínos representantes de uma população, que comprova diversa na heterogeneidade. Mas acaba por interessá-lo o fait divers ocorrido com Errol Flynn, que idolatrara em miúdo e tivera aí um hotel onde se hospedavam muitas das celebridades de Hollywood apostadas em afastarem-se das atenções dos paparazzis. Um dia o cadáver sem cabeça de uma mulher negra aparecera a boiar à vista da praia e as suspeitas atribuíam às festas orgíacas organizadas pelo ator a origem desse crime nunca esclarecido.
Ao concluir o romance Banks sente, que embora tudo tenha feito para melhor conhecer a ilha e quem a habitava, não lhe desvendara os mais profundos mistérios. “A diferença era evidente. Enquanto eles tinham levado séculos a aprender a sobreviver, eu nunca me obrigara a adquirir tal conhecimento. A sobrevivência era algo que, à partida, me estava garantida, não sendo verosímil que a conseguisse manter se me sujeitasse a circunstâncias tão difíceis. Mais facilmente me tornaria no velho rabugento, no homem amargo que anda com os olhos fixos no chão, no pessimista que em toda parte profetiza o desastre e o fracasso que clama. Eu seria a pessoa suicida que quer arrastar os outros para a ruína. Não havia lugar, na minha cultura, para o tipo de otimismo que os protegia no seu mundo, e parecia não haver lugar, na deles, para o tipo de rigor e simetria que pensava ter preservado em mim.”
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