terça-feira, fevereiro 09, 2021

(DIM) De Gaulle, o gigante com pés de barro

 

Patrick Jeudy é um dos realizadores de documentários, que mais me costumam sugestionar com os seus filmes, muitas vezes confessionais, quase sempre apostados na introspeção daqueles que biografa. Algo que tanto valeu para a personalidade de Marilyn Monroe - um dos seus filmes mais memoráveis! - como para De Gaulle sobre quem acabei de apreciar o percurso numa longa-metragem datada de 2011.

O que está em causa é saber até que ponto De Gaulle coincidia com a lenda de homem forte, do tipo antes quebrar que torcer. Jeudi retoma uma entrevista por ele dada a Michel Droit, logo após o apaziguamento da crise de maio de 68, e em que confessava ter sentido por cinco vezes a vontade de atirar a toalha ao chão e só pensar numa vida tranquila, distanciada da vida pública. E são esses cinco momentos de possível desistência, que Jeudi aborda e como os terá superado para, de cada vez, ressurgir qual fénix, de uma morte política aparente.

O primeiro momento aconteceu em 1940, quando as forças da France Libre não conseguiram reconquistar Dacar, que resistiu e se manteve fiel ao governo de Vichy. A seguir foi em 1942, quando estava em Londres e fez frente a Churchill, que intrigou contra ele e chegou a ponderar a possibilidade de fazer paz separada com Vichy, substituindo Pétain por Darlan. Seguiu-se a crise pessoal de 1946 quando, recuperada a França, viu os eleitores darem aos comunistas uma maioria relativa, que serviu de bloqueio ao governo por si liderado. Dá a volta por cima com a criação do Rassemblement du Peuple Français, partido presidencialista capaz de servir de modelo posterior a outras tentações semelhantes como a que conhecemos com vestes eanistas.

Em 1954, essa habilidade frustrou-se por ter acabado a novidade sem corresponder às expetativas das populações e, os inimigos principais - os comunistas - voltaram a ganhar a influência perdida nas eleições anteriores. Regressou com um discurso de franco-atirador, que as esquerdas conotaram com tiques fascistas, mas o reconhecimento da independência da Argélia e o atentado perpetrado pela OAS tenderam a suavizar-lhe essa imagem. Mas, na primeira volta das presidenciais de 1965, Mitterrand superou-o à primeira volta pelo que, quase cego, atormentado pela sensação de estar a perder as faculdades mentais, sentiu a tentação de remeter-se definitivamente a Colombey-les-deux-églises. Pressionado pela sua corte, decidiu-se a prosseguir numa missão, que considerava quase messiânica, ganhando a segunda volta.

O Maio de 1968 apanhou-o com 77 anos e a surpresa da contestação mortificou-o. Doravante não faltariam os mistificadores incumbidos de lhe perdurarem a imagem de homem forte, mas a honestidade íntima sempre lhe dera a noção dela ser tão distinta da realidade... 

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