1. A Mulher Canhota foi a segunda longa-metragem, que Wim Wenders assinou num período inicial do seu percurso enquanto realizador, balizado na matéria ficcional criada por Peter Handke. Rodado em França entre março e abril de 1977 tem Marianne por protagonista, uma mulher que corre com o marido de casa, aí ficando a viver com o filho de ambos.
Ele viera da Finlândia, um dos muitos países onde trabalhara nos últimos anos, e parecia deveras satisfeito com a possibilidade de definitivamente sedentarizar-se. O problema fora a solidão, a incomunicabilidade, que se cavara entre ambos. E que justificaram o desejo de rutura dela.
Começando e acabando com imagens ou sons de comboios, que também vão surgindo em ambas as formas ao longo de todo o filme, julgaríamos que, indo de um lado para o outro, prefigurariam uma evolução de um sítio onde se está para outro onde se deseja ficar. Mas a visita do pai de Marianne acaba por desfazer essa possível leitura: porque trazendo doutro lugar a confessada solidão acaba para ela voltar sem que nada se altere, quer para ele, quer para a filha.
Rodado numa época crepuscular em que as revoluções perdiam gás um pouco por todo o lado, o filme é algo ambíguo na forma como demonstra que as coisas, mesmo insuportáveis, continuarão a ser como são.
2. Esse era também o objetivo do Estado Novo, quando criou o Secretariado Nacional da Propaganda e, liderado por António Ferro, apostou na criação de obras encomiásticas sobre os feitos do Estado Novo.
O exemplo mais eloquente dessa propaganda foi A Revolução de Maio, o filme que António Lopes Ribeiro realizou em 1936 com banda sonora de Pedro de Freitas Branco. Ele representava aquilo que o Goebbels nacional designava como a “política do espírito» e que Maria do Carmo Piçarra, ao estudar o período entre 1935 e 1954, intitulou Projectar a Ordem, um ensaio fundamental para se perceber como o salazarismo usou o cinema como ferramenta para manipular a consciência coletiva.
3. De livros sobre cinema também vale a pena referenciar Dans les coulisses de Hollywood em que Joseph Armando Soba demonstra que a escolha da Califórnia não foi inocente da parte dos primeiros produtores de cinema, que julgavam-se aí a salvo do forte movimento sindicalista norte-americano.
Enganaram-se claro! Só entre 1918 e 1921 organizaram-se três importantes greves dos técnicos do estúdios, apoiadas pelas grandes confederações sindicais a que estavam ligados. Menos organizados os atores demorariam mais uns anos a organizarem-se numa associação de classe até por se sentirem com estatuto acima do dos indispensáveis operários, que tornavam possível os seus desempenhos. Mas em 1926 já estavam negociados e acordados os primeiros contratos coletivos a abrangerem todos quantos trabalhavam nos estúdios.
O ensaio de Soba não se limita a esses tempos pioneiros da indústria, porque abrange o período das lutas sindicais em Hollywood entre 1912 e 2012. Com um olhar atento para o futuro: aquele em que o desemprego será tão inevitável quanto o está a ser neste momento de pandemia, com quase todas as produções paradas e milhares de atores e técnicos sem forma de se sustentarem.
Nos anos recentes essa realidade já vinha a acentuar-se com a dispensa progressiva de figurantes, substituídos por personagens gerados por computador. Mas vêm outras más notícias de Seattle com a crescente hipótese dos personagens principais resultarem das mesmas capacidades da Inteligência Artificial em criar atores virtuais, tão ou mais expressivos que os de carne e osso e, sobretudo, bastante mais baratos.
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