domingo, fevereiro 21, 2021

(DIM) Fim-de-semana no Ascensor, Louis Malle, 1958

 

A intriga do filme resume-se em poucas palavras: um antigo militar assassina o marido da amante, fazendo-o parecer um suicídio. Mas, preso no elevador por uma infeliz mistura de inabilidade e de azar, vê-se acusado de um crime perpetrado por quem lhe roubou o carro nesse intervalo. O alibi para se livrar da acusação de que se vê mediaticamente acusado acaba por compromete-lo com o homicídio, que o condenará.

Louis Malle só contava 25 anos, quando rodou o filme e já se aureolara da Palma de Ouro de Cannes do ano anterior por um outro, corealizado com Jacques Yves Cousteau, O Mundo do Silêncio.

Herdeiro de uma família com a riqueza feita na indústria andara pela universidade e pelo IDHEC sem verdadeiramente se agradar do ensino demasiado teórico. Interessava-o bem mais passar à ação e daí a cumplicidade com Cousteau (para quem começara a trabalhar como operador de câmara em cenas submarinas) ou a participação como assistente de realização no Fugiu um Condenado à Morte de Robert Bresson (1956).

Quando Alain Cavalier lhe deu a conhecer o romance de Nöel Calaf, que serviria de matéria narrativa para este filme, já só ansiava construir um outro tipo de cinema, com novas formas e códigos, onde se lhe associasse a literatura, a música e a pintura, sem esquecer a explicita consciência social.

Embora Malle não tivesse qualquer afinidade com os críticos dos Cahiers du Cinéma, acabaria por prenunciar-lhes as intenções da nouvelle vague dois anos antes de Godard e Truffaut assinarem respetivamente O Acossado e Os 400 Golpes.

Não é legítimo integrar Fim-de-Semana no Elevador nesse icónico movimento estético da viragem dos anos cinquenta para os da década seguinte. Porque é filme na confluência de estilos, valores e influências diversas, num cruzamento com várias direções possíveis, entre as quais numa se consolidará a nouvelle vague.

Podem-se considerar três eixos maiores, que tinham origem a montante deste filme e nele se vieram a explicitar: o jovem casal, que rouba o carro e mata os turistas alemães, lembra os personagens criados por Mauro Bolognini ou Antonioni no pós-neorrealismo italiano. O desenlace fatalista e as cenas maioritariamente noturnas radicam na tradição do filme negro norte-americano. E os próprios filmes policiais franceses do pós-guerra também servem de inspiração, mormente os realizados por Jean Pierre Melville, Gilles Grangier ou Jacques Becker.

Muitos dirão, que o filme vale sobretudo pela banda sonora: exibindo-se por essa altura em Paris, Miles Davis foi desafiado por Malle para, acompanhado do seu quinteto, criar toda a ambiência musical do filme à medida que o ia vendo nas madrugadas de 4 e 5 de dezembro de 1957. O resultado é conhecido e muito amado pelos melómanos, particularmente os devotados ao bebop. E até se dispensam de lamentar a ausência no quinteto de um tal John Coltrane, que nele começara a fazer tirocínio pouco tempo antes.

Mas se a música se recomenda, não se poderá dizer o mesmo dos diálogos ou da voz off  de Jeanne Moreau, que pecam por ultraliterários. Razão que levou Jacques Lourcelles a considerar no seu dicionário de referência, que os atores do filme são excelentes ... quando calados.

Mas avultam muitas outras razões para justificar a descoberta ou revisão do filme: Lino Ventura num dos seus primeiros desempenhos, a crítica às tentações consumistas dos jovens, que espelham uma sociedade individualista onde ninguém ajuda ninguém, todos focando-se nos seus egoísmos pessoais. O capitalismo (personificado em Carala) é brutal  na forma como se isenta do mínimo escrúpulo e até aquele que começaríamos por ajuizar quadro brilhante (Julien), acaba por revelar-se um delinquente com cadastro, um mercenário contratado para servir de assassino a soldo para o patrão.

Sem nunca ter merecido o epíteto de mestre, Louis Malle revelou neste, e em muitos outros seus filmes posteriores, a intuição para realizá-los nos momentos certos, antecipando tendências prestes a revelarem-se e mesmo não se resguardando de intensas polémicas como por exemplo sucedeu com o seu Lacombe Lucien. 

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