segunda-feira, dezembro 16, 2019

Inquietações: A armadilha quando menos se espera


Conhecemos razoavelmente a estrada que, passando por Toulouse, vai desembocar em Grenoble depois de permitir uma espreitadela ao Mediterrâneo, quando se passa ao lado de Montpellier ou de Sète. Recordo, sobretudo a ocasião em que a alvorada irrompeu, quando começávamos a sentir as montanhas do Vercors e as da Chartreuse a rodearem-nos e o vale onde corre o Isère a desenhar-se à nossa frente.
Vínhamos de uma longa viagem, quase sem paragens desde Lisboa, porque ao chegarmos ao hotel previsto para pernoitarmos - em Bayonne - vimo-lo rodeado por forças policiais que nem nos permitiram o acesso nem tão pouco explicaram o motivo de tão singular aparato.
Vem isto a propósito de um documentário dedicado a um dos romances de Jean-Christophe Grangé - «Les Rivières Poupres» - cuja adaptação ao cinema por Mathieu Kassovitz vimos logo no início do milénio, três anos passados sobre a sua publicação em livro. E a surpresa teve a ver com o facto de não ter associado as paisagens do filme com as que, em determinada altura, nos habituámos a transitar entre cá e lá, entre lá e cá.
Agora, à distância, não custa fazer coincidir as imagens vividas com as que ilustravam a investigação dos personagens interpretados por Jean Reno e Vincent Cassel, nem a cidade universitária onde se gizava a conspiração eugenista de cunho nazi com a Grenoble em cujo Laboratório Europeu de Biologia Molecular tínhamos a filha a estagiar. A urbe pareceu-nos tão agradável, que nada nos sugeriria uma sucessão de crimes tal qual o escritor nela fez localizar, mesmo dando-lhe um outro nome completamente diferente.
No entanto, vivemos por essa altura uma experiência, que chegou a ser assustadora e ainda esta semana a resgatámos de duradouro esquecimento enquanto almoçávamos com uma amiga: uma tarde decidimos apanhar o teleférico para a fortaleza da Bastilha situada nos contrafortes da montanha do outro lado do rio. A intenção era vermos a cidade a partir daquele miradouro privilegiado, tirarmos as inevitáveis fotografias e regressarmos a casa a tempo da preparação do jantar. Mas ninguém nos avisou que o trajeto aéreo por cabo ia encerrar-se logo de seguida a pretexto de umas filmagens, que explicavam as movimentações de helicópteros ali à volta. E o crepúsculo começou a impor-se sem que tivéssemos outra alternativa, que não fosse o regresso a pé, atravessando uma floresta labiríntica da qual desconhecíamos qual a direção certa para regressarmos à civilização. Às tantas as luzes da cidade foram-se acendendo e a preocupação avolumava-se quanto a darmos ou não com a saída daquele sarilho.
Grenoble revelava-se uma cidade que, de amigável se transfigurava em fautora de inesperadas armadilhas. E se a história acabou bem, não o posso de todo asseverar, porque a gripe que se seguiu foi uma das mais intensas de quantas sofri...
Ao concluir-se o documentário, que nos remeteram momentaneamente para tais cenários, acabei por reconhecer quão dúplices eles se revelaram, corroborando os fundamentos que terão levado Grangé a ali situar o seu romance.

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