terça-feira, dezembro 10, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «À Procura de Fellini» de Gérald Morin (2012)


Tenho sempre um renovado prazer ao revisitar o universo de Federico Fellini nem que seja através de documentários produzidos no sentido de o homenagear a pretexto de terem passado vinte anos sobre a morte do realizador, como é o caso deste título de Gérald Morin.
Quarenta anos antes vivera um tal fascínio pela descoberta dos filmes do realizador italiano, que decidiu ir entrevista-lo a Roma. O projeto não teve cabimento, mas ele convidou-o para seu assistente o que o ocupou nos anos seguintes. Daí que seja ele a dar o primeiro testemunho sobre como era trabalhar com um génio que detestava agarrar-se a argumentos muito elaborados, porque todos os filmes eram sucessivos works in progress em que os enquadramentos, os cenários ou até os diálogos dos personagens eram decididos no próprio dia, se não mesmo no momento de serem debitados.
Auscultando os técnicos e atores que, com ele trabalharam, constata-se que Fellini era dado a impaciências suscetíveis de o porem a desancar quem parecia desviar-se do que ele pretendia ver concretizado. Os colaboradores, que não se atardassem a criar alternativas às orientações formuladas porque, qual menino a quem deram um doce, Fellini exigia-o exclusivamente para si.  Mas todos lhe reconhecem o engenho com que pegava nas canetas de feltro e desenhava os enquadramentos ou o aspeto que deveriam assumir as personagens de forma a serem caracterizadas de acordo com a peça no prodigioso puzzle, que eram chamadas a desempenhar.
Porque havia impasses e via-se, amiúde, pressionado para encontrar soluções, depois prontamente rejeitadas por se revelarem inconformes com os seus desejos, as rodagens demoravam demasiadas semanas e os orçamentos viam-se rapidamente ultrapassados. Razão para, nos anos crepusculares, terem-lhe faltado produtores ousados, capazes de arriscarem dinheiro onde os lucros se pressentiam incertos. Nesse sentido talvez nos tenham sido negadas duas ou três obras-primas, que congeminou na mente, mas nunca conseguiu passar para a película.
Num documentário em que se ouvem relatos de quem foi seu diretor de fotografia, responsáveis pelos cenários ou guarda-roupa, sem faltar o barbeiro ou o dono do restaurante, que frequentava durante essas míticas rodagens na Cinecitta, o testemunho mais saboroso é o de Magali Nöel, a inesquecível Gradisca de «Amarcord» ao contar como foi acordada uma noite às duas e meia da madrugada convocada para estar em Roma no dia seguinte às dez da manhã, não importando como se arranjaria para comprar o bilhete de avião e chegar a horas e, tão só entrada no estúdio 5, ele a instou a improvisar a cena de sedução com que no filme consegue render aos seus encantos o fascista que desposará no final do filme.


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