quinta-feira, dezembro 12, 2019

Galerias: O abananado mundo das artes


Na semana passada o mundo internacional das artes plásticas foi agitado pelo caso da banana de Maurizio Cattelan: a galeria Perrotin apresentou-a numa feira de Miami depois de comprada num supermercado das proximidades e afixada à parede com fita gomada. O título escolhido pelo autor da obra correspondeu à sua natureza - «The Comedian» - e qualificou ajustadamente os que, com ar muito sério, consideraram-na a derradeira obra pop, aquela que constituiria ao mesmo tempo a síntese e a conclusão final do movimento. E o aturdimento ainda mais se justificou quando se soube da venda da peça por 120 mil dólares.
Se a Art Basel Miami parecia condenada a passar despercebida no meio de tantas feiras de arte contemporânea, que decorrem por esse mundo fora, logo viu concentrarem-se em si as atenções da imprensa, que repetiu a questão, inaugurada por Duchamp com o famoso urinol: será que aquilo é arte?
Não foi, porém, o tipo de inquietação das centenas de visitantes, logo apressados a tirarem uma selfie com a banana só lá faltando o mais conhecido cultor nacional do entretém, quase por certo distraído da oportunidade perdida.
O alarido ainda mais se acentuou quando um outro «artista» pegou muito naturalmente na banana e a comeu para as câmaras, assumindo o ato como a sua própria performance.
E agora?, terão pensado os mais ingénuos. Como reagiriam os «donos» da peça? Mas logo surgiu a desculpa habilidosa de quem pretendeu realimentar a mistificação: a obra de arte não era propriamente aquela banana, mas uma qualquer que a substituísse por estar em causa o conceito e não a sua materialização. O que fora vendido não fora propriamente a peça, mas o protocolo que a definia.
Os que tinham vivido a angustia da peça irremediavelmente perdida terão suspirado de alívio. «Aaaaaah!», quase se ouviu em quem aceitou a explicação e continuou convencido em como, se Duchamp, John Lennon ou Jeff Koons tinham criado «obras» semelhantes, logo reconhecidas por quem, de cátedra, as considerara obras de arte, passar-se-ia o mesmo com a que agora estava em questão.
Para o «New York Times» não era preciso mais nada para comprovar quão doido anda o mundo das artes plásticas e quão aberrante se exprime o seu mercado, porque torna-se incompreensível como um objeto banal, cujo preço é de todos mais ou menos conhecido, alcançou tão absurda valorização.
Quem ganhou ainda maior renome foi o artista italiano, que já conhecíamos da polémica escultura «La Nona Hora» em que se via o Papa João Paulo II fulminado por um meteorito e para quem de nada valera a «proteção divina». Essa possuía, porém, uma carga provocatória, que ridicularizava o catolicismo e as religiões em geral, fazendo por isso todo o sentido.
Ou igualmente uma outra em que os visitantes de uma exposição deparavam com um menino ajoelhado como se estivesse a rezar e, dando a volta, deparavam tratar-se de Hitler.
Pode-se depreender que a intenção de Cattelan será semelhante: o mundo das artes tem-se caricaturado ultimamente de forma tão grotesca, ainda que avalizado pelos balúrdios alcançados pelas peças vendidas nos mais conceituados leilões, que ele faz exuberante demonstração de como um sistema masoquista anda a deleitar-se com a exibição da sua própria destruição. Quem o escreveu foi Mathikde Serrell e é muito capaz de ter plena razão.

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