quinta-feira, dezembro 19, 2019

Diário das Imagens em Movimento: o episódio derradeiro de «Star Wars»


Em 1977, quando estreou o primeiro episódio da saga que conheceu agora a estreia do seu nono e último episódio, George Lucas tinha explicita a intenção política subjacente à história aí contada: havia uma clara estratificação entre dois campos ideológicos opostos, um de cunho marcadamente colonial-fascista e o outro assumindo-se como coligação de oprimidos dispostos a libertarem-se de quem lhes negava a liberdade. Em diversas entrevistas Lucas acentuava essa mensagem, que ia ao encontro da preocupação da Casa Branca, então liderada por Jimmy Carter, em dissociar-se da imagem negativa internacionalmente fundamentada com a recente derrota no Vietname.
Lucas tinha, igualmente, uma preocupação complementar: encontrar soluções tecnológicas à medida da ambição epopeica então em curso. Daí que viesse a criar os estúdios mais avançados nos domínios dos efeitos especiais ou da sonorização de filmes.
Mudaram-se os tempos e com eles as vontades: julgando-se merecedor de uma reforma dourada, Lucas fez avultada fortuna com a venda dos direitos autorais de Star Wars à Disney que, ideologicamente, sempre se situou nos antípodas dessa intenção original. Quem pode esquecer que o criador de Mickey Mouse foi um dos mais ativos macartistas de Hollywood na época da caça às bruxas?
Daí que os filmes produzidos sob a alçada dos novos patrões da marca só em aparência se aproximem dos que haviam constituído os da primeira trilogia. Os personagens, ou as suas réplicas para o período anterior ou posterior a essa matriz original, mantiveram as identidades ou as características correspondentes. E enfatizaram-se as inevitáveis sequências de combates entre naves espaciais ou entre jedis e mauzões com espadas de laser cujas cores ilustram a defesa do bem (o angelical branco) ou do mal (porque será o vermelho a cor escolhida para tal?).
J.J. Abrams, o realizador deste episódio final e do primeiro produzido pela Disney, nada tem a ver com Lucas, que discordou da deriva por ele cometida de forma a direcionar a saga para o público infantil, resgatando da tradição de «Bambi» a tendência para pôr o público(zinho) a limpar as lágrimas suscitadas pela intriga trabalhada no sentido de suscitar a fácil comoção.
João Lopes, que no «Diário de Notícias» não hesita em classificar de medíocre esta versão derradeira, pergunta-se “até que ponto - ou de que modo - tudo aquilo que tem acontecido nas últimas três décadas, incluindo o crescente e devastador poder normativo dos filmes de super-heróis da Marvel, corresponde já a um conceito de mercado cada vez mais distante dos valores clássicos da cinefilia e, sobretudo, mais movido pelas lógicas económicas do streaming (filmes, séries, etc.).”
Quererá isso dizer que o filme não justifica a deslocação para o ir ver? Não se dirá tanto dado que Abrams tem a inegável competência de um tarefeiro experiente e habilidoso no recurso aos meios postos à sua disposição. Mas compreende-se bem a lógica da distribuição do filme nesta altura, porque além de produto adequado para as plateias das pipocas e da coca-cola, também faz sentido nesta época natalícia particularmente propícia à plena liberdade da pieguice dos nossos corações.

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