quarta-feira, dezembro 25, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Le Mirage» de Jean-Claude Guiguet (1992)


Na tarde da próxima sexta-feira a Cinemateca apresenta um filme pouco conhecido dos anos 90, assinado por um realizador a quem nunca foram dadas as condições para assinar obra prolífica, já que dele se conhecem apenas oito títulos nos vinte e sete anos decorridos entre o primeiro e a sua morte em 2005.
Baseado num romance de Thomas Mann contrapõe o amor à morte, o mundo sensível ao invisível, numa atmosfera romântica em torno de uma mulher rendida pela derradeira vez ao amor antes de se sujeitar a um desenlace brutal.
A beleza da paisagem em torno do lago Leman, captada pela câmara de Alain Levent, é também ela contraditória: enquanto os picos da montanha, cobertos de neve pressupõem a invernia, no vale já se manifesta a primavera através dos grãos de pólen desprendidos dos álamos. Mas o lieder  de Richard Strauss, que acompanha essa imagem, comporta o prenúncio da morte, repetindo-se ao longo do filme como inexorável destino.
A miragem do título, reportada à paisagem, é também a da ilusão da protagonista ao ver-se novamente menstruada no dia do seu quinquagésimo aniversário e pressupondo um rejuvenescimento capaz de lhe propiciar o reencontro com o sentimento amoroso. No imediato não lhe passa pela cabeça a suspeita desse sangramento evidenciar o cancro que a matará,
Dois séculos depois o «Sturm und Drang» parece aqui replicado em todo o seu esplendor mas, na crítica ao filme, Frédéric Majour alude que “o cinema de Guiguet escapa (...) das armadilhas do excesso romântico. As suas paisagens parecem iluminadas do interior, cintilam um brilho secreto que as transforma, mundos incertos, assombrados pelas memórias daqueles que o cineasta amou.”  Porque é inevitável ver o filme à luz da epidemia de casos de Sida, que grassou nesses anos oitenta e noventa do século transato e condenou tantos amigos do realizador.
A armadilha contida na beleza da Natureza explicitada nos frequentes travellings, revela-se na sua verdade e no que a nega, como na cena exemplar em que Maria Tummler e o jovem Ken fazem mútuas confissões de amor e a luminosidade intensa logo dá lugar à mais negra escuridão. Ou a cena final, de sentido contrário, em que a morte da protagonista se conclui pela sublime imagem do lago apreendido a partir da janela aberta.

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