sexta-feira, dezembro 13, 2019

Diário das Imagens em Movimento: o inolvidável final de «As Noites de Cabíria»


De forma algo simplista pode considerar-se que existem dois tipos de filmes: a grande maioria é constituída por aqueles que vemos com maior ou menor agrado mas, passados uns dias, quiçá mesmo umas horas, já estão esquecidos por apenas terem sido breve entretenimento. Mas existem os outros, essas maravilhosas obras-primas que vemos uma, duas, três, dez, vinte vezes, e de cada uma delas descobrimos quanto nos passara despercebido anteriormente para além de perdurarem cenas, que se nos tornaram inolvidáveis. Sobretudo nos finais, que sintetizam a intenção do realizador ao acometer-se a tal produção.
«Noites de Cabíria» é um exemplo eloquente dessas obras-primas, que revisitamos com inesgotável prazer. Rodado em 1957 ganharia o Óscar do melhor filme estrangeiro desse ano, graças não só ao talento de Fellini, mas sobretudo a um daqueles desempenhos superlativos de Giulietta Masina, que não imaginaríamos acessíveis a mais nenhuma atriz do seu tempo. O Prémio de Interpretação no Festival de Cannes foi-lhe totalmente merecido.
Ela  interpreta o papel de uma prostituta ingénua capaz de mostrar lúcido distanciamento num espetáculo de variedades polarizado num ilusionista diabólico com surpreendentes dons de hipnotizador, mas cai em sucessivas canções do bandido, ou seja dos homens apenas nela interessados em roubarem tudo quanto possui, recorrendo a juras de amor e vãs promessas de casamento.
O filme inicia-se com o seu quase afogamento, porque um deles empurra-a para o rio ao apossar-se-lhe da carteira e conclui-se com momento semelhante em que o suposto noivo a leva à beira de um precipício para onde conta impeli-la tão só lhe fique com o dinheiro. E vem então esse final em que, derrubada no chão, começa por sentir inevitável o suicídio, mas a ele resiste, voltando à estrada mais próxima para aí se ver acompanhada por alguns jovens em clima de festa, que a incitam a juntar-se-lhes na alegria apesar de verem a lágrima a escorrer-lhe do olho. E o sorriso, que esboça nos seus lábios, ainda momentos antes tão crispados, acaba por transmitir a ideia de haver mais vida para viver, outros tantos desafios para suplantar e, porventura, poupar-se a repetir erros para os quais se deveria ter acautelado.
E fica assim transmitida uma bela lição de vida!


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