domingo, dezembro 15, 2019

Diário de Leituras: O senhor Presidente que Asturias conheceu



«Senhor Presidente» apareceu publicado no México pela primeira vez em 1946, embora estivesse praticamente concluído desde 1933. Miguel Angel Asturias criara esse protagonista a partir do conhecimento pessoal de Manuel José Estrada Cabrera, que chegara ao poder no ano anterior ao seu nascimento e, até 1920, personificara o tipo de ditador infelizmente conhecido por muitos povos da América do Sul durante o século transato.
Ameaçados pelo novo regime, os pais de Asturias tinham fugido da Ciudad de Guatemala em 1901, mas a necessidade de lhe garantir os estudos secundários fizeram-nos regressar à capital em 1907. O jovem Miguel depressa enveredou na luta pela democracia, sobretudo ao entrar para a Universidade em 1917 para cursar Direito. Essa formação habilitou-o a ser secretário no processo contra Cabrera, após o seu derrube. Contaria depois a estranheza de ver o ditador em carne e osso na cadeira dos réus. E essas recordações dar-lhe-iam substância para a criação do personagem: “via-o quase diariamente na prisão. E compreendi que, indubitavelmente, suscitava um efeito singular nos outros. Enquanto esteve preso houve quem não acreditasse ser ele quem vivia a punição, porque o verdadeiro Cabrera escapara e fora substituído no cárcere por um pobre velho”.
Um outro tema abordado no romance é o da condição índia, que merecera de Asturias uma tese em que denunciava o sofrimento e as injustiças perpetradas sobre parte significativa da população do seu país. Enjeitava, porém, que o objetivo do romance fosse prioritariamente militante, porque visara alcance mais universal. Daí a prolongada criação, porque, se a génese já se anunciava em 1923 ao publicar um conto intitulado «Los Mendigos Políticos», levaria ainda mais dez anos a conclui-lo.
Não tivesse partido no ano seguinte para Paris para conviver com as vanguardas estéticas e frequentar o curso de Georges Reynaud na Sorbonne e talvez o projeto tivesse conhecido mais abreviada conclusão. Mas ele só ganharia no convívio n com os surrealistas, que lhe inspirariam a integração nos que pugnariam pelo realismo mágico na literatura latino-americana das décadas seguintes.
O manuscrito já estava praticamente concluído quando regressou à Guatemala em 1933, mas achou por bem deixá-lo em França, nas mãos do amigo e futuro tradutor Georges Pillement, porque já outro ditador ali pontificava - Jorge Ubico Casteñeda - não sendo difícil aos seus esbirros identificaram-no no personagem da obra. As vicissitudes políticas dos anos seguintes justificariam o prolongado hiato até à efetiva publicação do romance no imediato pós-guerra.

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