quinta-feira, dezembro 19, 2019

Diário de Leituras: «A Aventura do Cabeleireiro de Senhoras» de Eduardo Mendoza


Eduardo Mendoza assumiu-o em 1996, mas Wim Wenders já tinha emitido juízo semelhante anteriormente: o romance convencional acabou e exigiria doravante a opção por outras estratégias narrativas. A demonstração desse pressuposto explicitou-se-lhe em paródias ao género policial de que este livro, publicado em 2001, é exemplo.
Ao lê-lo a reação foi ambígua: diverti-me nalgumas páginas, considerei banais muitas outras, tudo salpicado de um nível de loucura explicada pelo facto do narrador - cujo nome nunca saberemos! - ter saído de longo internamento no manicómio antes de encontrar futuro profissional como cabeleireiro de senhoras no salão pertencente ao cunhado.
Convencido a participar num golpe, que lhe renderia uns trocos e se limitaria ao roubo de uma pasta de documentos numa empresa da periferia da cidade, ele vê-se na iminência de ser acusado do homicídio do respetivo dono, um tal Pardalot, que integrava a alta sociedade catalã e com ela multiplicava negócios mais escuros que breu.
Para Mendoza não existe remissão em quem se situa nos patamares sociais relacionados com o poder político, económico ou judicial: a corrupção parece estar-lhes nos genes.
A estória é a de um relativo inocente, que tem de encontrar o culpado do crime para escapar a indesejado desenlace. E, ora recorrendo a vocabulário mais culto, ora mais popular, misturando o castelhano com o catalão, assim se chega a um final aparentado com o dos romances de Agatha Christie tendo Poirot como protagonista, porque todos os intervenientes na intriga encontram-se no mesmo espaço e o cabeleireiro vai desmascarando-lhes sucessivamente as intenções e responsabilidades. Capítulos atrás Mendoza não enjeitara divertir-nos com uma situação diretamente retirada de um filme dos irmãos Marx em que esses mesmos personagens se iam escondendo no minúsculo apartamento do protagonista à medida que, um a um, lhe iam batendo à porta.
Quando  chegamos à última página a quase totalidade dos presentes nesse encontro final já se matara entre si e o cabeleireiro pode finalmente dedicar-se, com outra atenção, ao métier  de que nada percebia, quando nele se estreara semanas antes, mas agora com as melhores condições que a chegada de um novo secador de cabelo lhe possibilitaria.

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