sábado, dezembro 28, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Tal Pai, tal Filho» de Hirokazu Koreeda (2013)


O que relaciona verdadeiramente uma criança aos seus pais, sejam eles os biológicos, sejam os involuntariamente adotivos? Será que a herança genética prevalece sobre a educação propiciada durante a infância ou é a vice-versa que se revela mais verdadeira? E o que importa mais nesse relacionamento: o afeto ou a criação de condições para vir a ser um adulto bem sucedido num distante futuro?
Essas questões são as suscitadas pela história em que Ryota e Midori, um abastado casal de Tóquio, se confronta com um exame sanguíneo demonstrativo da troca entre dois bebés na maternidade onde ela dera á luz o filho de ambos. Afinal Keita, que tinham educado naqueles seis anos, matriculando-o nos melhores colégios, era afinal filho de um casal de pequenos comerciantes de Maebashi, uma pequena cidade a hora e meia de distância da capital.
Não é fácil a decisão de trocarem as crianças, quando elas tinham criado referências consistentes nas famílias em que haviam crescido. Mas Koreeda aproveita para revelar a contradição entre uma megacidade sufocante feita de verdadeiras ilhas verticais (os arranha-céus) em que ninguém se conhece e o ambiente descontraído de uma pequena cidade de província em que os sentimentos têm bastante mais liberdade para se expressarem.
Até então Ryota pouco interagira com o filho, porque a profissão de arquiteto quase não lhe dera tempo para ter uma vida familiar. O seu conceito de ser bom pai cingia-se a pagar as contas e a propiciar o máximo conforto à família. Por isso mesmo a educação de Keita estivera totalmente a cargo de Midori, que resiste a separar-se daquele que, não sendo o seu verdadeiro filho, fora por ela vivenciado como tal.
A família Saiki é para eles uma descoberta inesperada: mesmo vivendo de forma humilde, propiciavam ao filho o relacionamento com várias gerações, porque a casa em que viviam também era a dos antepassados valorizando Koreeda os laços invisíveis com eles mantidos. O altar onde eles eram objeto de veneração ilustra um estilo de vida, a que Ryota e Midori  se sentiam alheados. Daí que o filme seja também o da nostalgia por um tipo de valores, que o ritmo trepidante da vida em Tóquio há muito esmagou. Sobretudo a partir do momento em que os bairros populares foram arrasados para darem lugar a essas torres de muitos andares.
A decisão relativamente consensual de fazerem prevalecer os laços de sangue não se revela pacífica: os próprios miúdos têm dificuldade em aceitar a troca, agindo em conformidade. E Koreeda tem o bom gosto de concluir o filme com uma situação aberta que dá ao espectador a possibilidade de construir essa conclusão. Que não é fácil! Porque acarreta decisões complexas com consequências imprevisíveis sempre submetidas à dúvida quanto a terem sido as adequadas no momento em que foram tomadas...

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