Em 1937 o luxuoso paquete «Stella Polaris» empreendeu uma glamorosa viagem à volta do mundo levando como passageiros alguns endinheirados americanos, que podiam pagar o equivalente a dois anos de salário médio dos seus compatriotas de então.
As imagens a cores recolhidas por um deles durante os quatro meses em que foram aportando às ilhas do Pacífico mostram a alegria e a descontração de quem não vivera os constrangimentos da Grande Depressão nem se mostrava particularmente apreensivo com a guerra iminente na Europa, depressa alargada à Ásia e a África. Para lá das imagens exóticas das terras por onde iam ostentando a jactante crença de se sentirem superiores, estão sempre a sorrir como se a felicidade constituísse um estado de alma permanente.
De alguma forma essas imagens associam-se a outras, as dos tranquilos parisienses, que pareciam usufruir sem inquietação as benesses das semanas de verão anteriores ao desencadear do conflito. Não eram tão alegres como os turistas do outro filme, mas não se lhes detetava nos rostos a crispação de quem se adivinhava na iminência da ocupação nazi e da deportação para os campos de extermínio.
Esses testemunhos de quem há muito desapareceu, mas prolonga o existir enquanto tais fotogramas subsistirem nas cinematecas, dão-nos expressiva prova da fugacidade das nossas certezas. Como dizia Saramago no filme do Miguel Gonçalves Mendes, hoje estamos cá, amanhã deixamos de estar. Tudo se relativiza na vertigem do tempo que passa. E o desastre pode ocorrer no momento seguinte ao da exuberante felicidade. Embora seja verdadeira a premissa contrária, mesmo que condicionada por quanto se é obrigado a recalcar: no fim do sofrimento haverá sempre uma janela aberta, uma janela iluminada...
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