Se calhar Sandro Botticelli viria a ser resgatado do esquecimento em que permaneceu durante séculos numa outra ocasião, mas calhou tal acontecer quando Mussolini pretendeu lançar uma grande campanha de propaganda da cultura italiana e conseguiu em 1940 - quando a guerra já alastrava a todo o continente europeu! - que o MOMA lhe apresentasse uma exposição dos Mestres Italianos da Renascença.
«O Nascimento de Vénus», uma das obras do pintor do Quattrocento, converter-se-ia doravante num dos quadros icónicos do século XX, com as suas linhas elegantes, subtis, harmoniosas, a criarem o efeito de alto-relevo na planura da tela. Para quem com ela se extasiou a questão foi a de tentar perceber como fora possível ter estado tal preciosidade esquecida nos depósitos da Gallerie degli Uffizi durante tantos séculos. Tanto mais que a obra rompia com o cânone artístico de então, recuperando a importância do corpo feminino na pintura.
Botticelli seria resgatado como um dos grandes mestres da Renascença. Nascido em 1445 numa família modesta, tornara-se aprendiz, primeiro num mestre de ourivesaria, depois num de pintura até se arriscar a avançar com o seu próprio atelier quando tinha 25 anos.
A ascensão social seria rápida, beneficiando do apoio às artes propiciado pela família Médicis, tornando-se admirado pelos aristocratas de Florença. Uma das representações de Lourenço, então mestre absoluto da cidade, é precisamente dele que, rompendo igualmente com os usos da época, o representa de frente, a olhar para o espectador numa atitude de orgulhosa segurança.
Simonetta Vespuci, modelo do pintor, e sua grande paixão, tornou-se na inspiração para a representação de Vénus, quer no quadro acima referenciado, quer na «Primavera», apesar de ter, entretanto, morrido com 23 anos. Ela nunca deixaria de ser para o pintor a encarnação da beleza feminina.
Em 1481, Botticelli é convocado pelo Papa, que lhe encomenda três frescos para a Capela Sistina, trinta anos antes de Miguel Ângelo ali criar o notável teto. E outra obra notável se seguirá - a «Divina Comédia» - merece ser esmiuçada com uma lente para melhor abarcar a finura do detalhe, que compõe a totalidade da obra.
O Barroco iria mergulhar de Botticelli no olvido. Antes da exposição de 1940, o resgate da sua obra foi intentado por artistas ingleses do século anterior, que lhe referenciaram a beleza das obras nos relatos sobre as suas viagens a Itália. Mais tarde, os franceses Gustave Moreau e Degas também procuraram revaloriza-lo, mas nem o facto de existirem no Louvre algumas Madonnas da sua autoria, conseguiram convencer a generalidade dos historiadores de arte, quanto a ele se limitar a ser um artista provinciano muito menos talentoso do que Rafael ou Miguel Ângelo.
Talvez o pintor tenha pecado por, nos seus últimos anos, ter cedido às ameaças dos fanáticos do seu tempo, Savonarola em particular, que exortou os seus contemporâneos a condenarem a opulência, queimando-lhes alguns desses símbolos na sua Fogueira das Vaidades. Existem registos de Botticelli ter entregado, «voluntariamente», algumas das suas obras para esse incêndio destruidor, passando de então em diante a cingir-se a motivos religiosos.
Terá sido a memória dessa cobardia a causa para o terem remetido para os tais depósitos empoeirados? Uma questão que fica por esclarecer...
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