domingo, maio 28, 2017

(DIM) Entre Brando e Nuno Lopes

1. 1967 foi o ano do assassinato de Che Guevara. Morria com ele toda uma mística romântica relacionada com as revoluções comunistas, que ora se tornavam mumificadas na URSS, ora ganhavam ímpetos virulentamente homicidas na China, sob a designação da Grande Revolução Cultural.
No Vietname os norte-americanos estavam a atolar-se e o desaire na Apollo 1 tornava quase utópica a intenção de Kennedy em concretizar a supremacia  no espaço, com a alunagem antes da passagem para a década seguinte.
As lutas pelos direitos civis e a implantação da ditadura fascista na Grécia constituíam direções opostas de uma História, que se agudizava sobretudo no Médio Oriente com os israelitas a apossaram-se de um território várias vezes maior do que lhes caberia por direito à luz das disposições das Nações Unidas.
É sobre essa Terra em Transe, que a Cinemateca promove em junho um ciclo sobre o cinema desse ano. Uma forma aliciante de recordarmos ou nos informarmos sobre os valores e as estéticas de há meio século.
Para iniciar a proposta propõem-se esta semana dois filmes, que merecem ser vistos e revistos: «A Condessa de Hong King» de Charles Chaplin e «Reflexos num Olho Dourado» de John Huston.
Marlon Brando, Sophia Loren e Tippi Hedren protagonizam o título com que o criador de Charlot se despediu da sétima arte através de uma sátira à política norte-americana, que o forçara a exilar-se na Europa. Embora um político se enamore de uma condessa russa, que encontra como passageira clandestina no camarote do paquete em que regressa a casa, tudo volta à normalidade conjugal, quando reencontra a legítima esposa a aguardá-lo no cais da chegada.
Brando também entra no filme de Huston e veste a farda de um militar, que descobre tardiamente a homossexualidade, para grande sofrimento da esposa (Elizabeth Taylor), que não consegue compreender como ele a pode preterir de forma tão ostensiva. Porventura nunca o ator representou tão de acordo com as lições aprendidas no Actor’s Studio de Lee Strasberg.
Há quem muito aprecie e também quem deteste. O que afinal é um bom argumento para justificar a chamada de atenção para o que acaba por ser um miniciclo Brando.
2.«São Jorge» está a ter um sucesso estimável nos ecrãs franceses. O que é merecido, porque é inolvidável a interpretação de Nuno Lopes na pele de um cobrador de dívidas, que tem ética a mais para cumprir o que dele se espera.
Numa entrevista a Luís Caetano o ator recorda o quão o impressionara aquele dia em que o habitante do Bairro da Bela Vista com que se inteirava das especificidades do tipo de personagem a interpretar, o despediu, porque já estivera tempo demais com ele e tinha de ir apanhar lixo para conseguir comer alguma coisa (umas sandes de fiambre) nesse dia. Mas também como, entre os mais miseráveis, vigora um racismo latente entre etnias, que podem partilhar o espaço, mas se revelam díspares nos valores e cultura.  Não é, assim de estranhar, que tendo-se perdido a ligação de tais estratos às forças comunistas, tenham passado a aderir às mensagens políticas mais simplistas, por lhes contarem histórias aparentemente justificativas do fosso em que se sentem afogar. As votações no Brexit ou em Trump encontram aqui uma explicação sem grandes fundamentos que a contradigam.
3. Na mesma entrevista, o realizador Marco Martins diz algo bastante curioso: os americanos gostam imenso de mostrar dinheiro nos filmes. Trata-se de momento quase obrigatório num certo tipo de filmes a mala a transbordar de notas ou os cofres, que se abrem para revelar incontáveis riquezas. Mas que esperar de um tipo de cinema que, segundo Godard, só precisa de uma miúda e de uma arma?

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