Com tantos filmes excelentes na sua filmografia, fará sentido um ciclo sobre os quatro últimos, que Hitchcock rodou entre 1966 e 1976?
Não são eles dos mais mal amados, com a crítica de então a verbera-los por já não se lhes reconhecer a maestria dos tempos em que o autor rodara três títulos vibrantes com James Stewart nos anos 50 («Janela Indiscreta», «O Homem que Sabia Demais» e «Vertigo») ?
A nosso ver faz, porque, mesmo não sendo filmes excelentes, os quatro que integram a programação do Cineclube Gandaia no mês de maio garantem entretenimento de alta qualidade e se nos ativermos nos detalhes somos bem capazes de encontrar, aqui e acolá, o que de melhor saiu da criatividade do realizador, mesmo já estando adoentado e cansado.
O primeiro filme do ciclo é «Cortina Rasgada» surgido dois anos depois do enorme fracasso comercial representado por «Marnie», apesar da presença de Sean Connery no papel principal, vindo do enorme sucesso dos primeiros filmes de James Bond. A crítica fora contundente convencendo os habituais admiradores do realizador a passarem-lhe ao lado.
Apesar de acionista dos estúdios da Universal, Hitchcock viu recusado o financiamento para os seus três projetos seguintes, só vindo a ver aceite este, por lhe serem reconhecidos os pressupostos necessários para vir a ser bem sucedido: um tema popular (a espionagem, então tornada glamourosa pelos filmes do espião ao serviço de Sua Majestade) e um elenco com sucesso garantido junto do público.
Hitchcock não escondeu o quão contrariado ficou por lhe imporem tais condições até porque serão péssimas as relações com Paul Newman e Julie Andrews. Esta, que viera de êxitos estrondosos como «Mary Poppins» e «Música no Coração», pareceu-lhe bem menos talentosa do que Eve Marie Saint, que ele preferira contratar para o papel. E Paul Newman era um dos mais lídimos exemplos do «Método» do Actor’s Studio, querendo saber tudo sobre as motivações do personagem para nele se fundir com maior verosimilhança. Ora Hitch achava risíveis essas teorias de representação tão na moda.
Anos depois, em conversa com François Truffaut, que se tornara seu amigo depois da famosa entrevista de 1962, diria: “Newman é um ator do Método, o que significa não saber contentar-se com olhares neutros, que facilitem depois o trabalho da montagem”.
O realizador construiu o filme em tal estado de exasperação que até se zangou com o compositor normalmente associado à banda sonora dos seus filmes, Bernard Herrmann e que tanto contribuíra para lhes potenciar o fecundo clima de suspense.
Não admira, pois, que «Cortina Rasgada» seja tido como um filme menor no conjunto da filmografia hitchcockiana. Mas é, precisamente, por lhe iniciarmos a apreciação com tão baixas expectativas que, ao vê-lo, somos surpreendidos com muitas razões para o admirarmos. Bastam, aliás, duas cenas notáveis para compreendermos que o realizador não sabia fazer maus filmes: atente-se na cena da perseguição nos amplos espaços desérticos de um museu em que a expectativa é toda criada com elementos arquitetónicos e com a sonorização. Ou naquela em que o espião americano mata o alemão, que o controla em Berlim Leste, numa longa cena de luta e de agonia, reveladora de uma violência incomum na altura. Ao criá-la Hitchcock pretendia demonstrar como é difícil, longo e penoso matar alguém, que poderia constituir a principal mensagem a reter desta experiência.
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