Embora leia com gosto os romances de Haruki Murakami tenho considerado um exagero, que seja potencial candidato ao Nobel da Literatura sempre que a Academia Sueca trata de premiar os melhores escritores vivos. Mas tendo em conta a constatação em como ela tanto acerta nos seus juízos (Saramago, Grass, Garcia Marquez, Modiano, Le Clézio entre outros), como falha clamorosamente (como aconteceu com o mais recente!), não me admiraria que o autor japonês viesse a ter essa imerecida consagração.
Ele cria estórias bastante sugestivas, mas não se pode dizer que, na escrita, ou até mesmo na construção, os seus muitos romances, novelas e contos sejam Literatura com maiúscula.
Encontramos-lhe personagens comuns, transformados involuntariamente em detetives, acabando por uma ou outra razão a ficarem algum tempo encerrados num poço ou num outro espaço claustrofóbico, onde a solidão tende a tornar-se insuportável. Tem quase sempre um desejo platónico por uma mulher etérea, cujo desaparecimento lhe força a busca, contando pelo meio com a ajuda de uma rapariga sexy e atrevida com que não enjeita deitar-se.
Há quarenta anos, que este tipo de narrativas se repete, com gatos sempre por perto e muito tempo passado nas atividades quotidianas na cozinha ou a ouvir jazz. A mentalidade é adolescente, mesmo que os heróis vão avançando para a maturidade.
O seu título mais recente, «Men without women», reúne sete histórias curiosas e em que pretende experimentar algumas inovações. Nomeadamente os habituais felinos primam, desta feita, pela ausência. Há adolescentes e homens de meia-idade, mulheres que servem de médiuns entre o reino espiritual e a realidade. Mas a ambiência é, como de costume, melancólica.
Numa das histórias um homem viúvo conta à motorista pessoal o quanto deseja vingar-se de um dos amantes da defunta esposa. A conversa será suficientemente catártica para que resolva a frustração sem maiores consequências.
Noutra, uma dona de casa vai regularmente levar comida a um prisioneiro com quem se deita e que se torna no confidente das vicissitudes passadas.
Há, igualmente, uma cirurgiã plástica que se apaixona pela primeira vez e que considerará a relação com o amado como sendo semelhante a dois barcos amarrados com uma corda.
Noutra - por sinal falhada! - o protagonista da «Metamorfose» de Kafka acorda uma manhã devolvido à condição humana e sem se recordar do que consigo se passara. Porém, quando uma operária corcunda vem fazer reparações a sua casa e sobe um escadote, não deixa de sentir-se afetado pela semelhança, que lhe encontra com um inseto.
Noutra situação, que remete para a própria biografia de Murakami, há um homem que aguarda o primeiro cliente num bar animado pela música de jazz. O pensamento leva-o para a mulher ausente, que perdeu para os braços do melhor amigo.
Todos esses homens sem mulheres contactam os outros em quartos e bares. E têm, cada um a seu jeito, excentricidades que os distinguem. Por isso distanciam-se de quem está à sua volta, protegendo-se da dor no desejo de solidão. A vida vai-lhes passando ao lado e, sem darem por isso, vão-se perdendo de si mesmos.
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