Quem primeiro me falou de «Na Cova dos Leões» foi Reinaldo Ribeiro, amigo com quem partilho os mesmos valores de esquerda e idêntico distanciamento em relação ao fenómeno religioso.
Depois compareci a uma apresentação de «O Sol Bailou ao Meio-Dia», imprescindível ensaio do Prof. Luís Filipe Torgal sobre as «aparições» de Fátima e a obra do escritor Tomás da Fonseca voltou a vir a lume por quem se revelou seu atento estudioso.
Não precisava de mais estímulos para meter pés a caminho e ir à procura do livro de um autor, que até então só conhecia de nome como prestigiado republicano em duradouro conflito com o regime salazarista.
Era ele já um septuagenário de emblemáticas barbas brancas, quando lhe calhou a tarefa de publicar alguns artigos no jornal «República» no âmbito da pré-campanha do general Norton de Matos. Recordemos que, nesse ano de 1949, a memória coletiva ainda conservava a celebração entusiástica dos portugueses pela vitória aliada na Segunda Guerra Mundial para desgosto de Salazar, que até impusera luto de três dias pela morte de Hitler.
A Oposição não teria grandes ilusões quanto à equidade do pleito eleitoral, tanto mais que, depois de tremer com essa derrota dos principais regimes fascistas europeus, logo Salazar se vira confortado pelo regime de Truman já empenhado em assanhada campanha anticomunista. Ainda assim Tomás da Fonseca não imaginaria a reação ao seu artigo em que punha em causa a veracidade do que se passara três décadas antes com os três pastorinhos da Cova da Iria.
À distância de quase sete décadas não nos é fácil conjeturar o quão imenso voltara a ser o poder da Igreja Católica nessa época, apesar dos esforços da I República para lhe conter as potencialidades tóxicas. O próprio Tomás da Fonseca esforçara-se por cercear a peçonha católica, quer enquanto chefe de gabinete de Teófilo Braga no governo provisório nomeado logo a 5 de outubro e, depois, como deputado e senador do Partido Democrático liderado por Afonso Costa.
Perante o texto de Tomás da Fonseca o cardeal Cerejeira lança o ataque a partir do seu jornal oficial ««Novidades«, que logo é secundado por quase toda a imprensa regional. Em várias cidades organizam-se manifestações de desagravo da reputação da Virgem Maria, supostamente ultrajada pelo antigo caça-frades.
Do recato da sua quinta o escritor decide confrontar Cerejeira com a sua campanha, confrontando-o com os valores cristãos, de súbito distorcidos na sua campanha inquisitorial, aproveitando para, em sucessivas cartas, demonstrar como toda a religião católica, incluindo o seu culto mariano, assenta em fundamentos falsos, desmentidos por documentos históricos, que conseguiram escapar aos sucessivos autos-de-fé lançados pelo clero ao longo dos séculos para eliminar todas as provas que desmascarassem o acervo de mentiras em que baseavam a sua fé.
Foram essas cartas, que Tomás da Fonseca viria a organizar e a publicar em 1958 na forma deste livro dedicado a Artur Oliveira Santos, administrador do Concelho de Vila Nova de Ourém à época dos acontecimentos de 1917 e que “muito se esforçou para evitar o embuste de Fátima, que a Igreja continua perfilhando e explorando com a repulsa dos cristãos verdadeiros.”
Será preciso dar mais explicações quanto ao agrado que a leitura deste livro me está a facultar?
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