Há uma cena quase no final de «Soldados de Salamina» de Javier Cercas, que vem ao encontro de uma questão provavelmente incontornável em quem já chegou à condição sexagenária: o que ficará de mim depois de morrer? Sobretudo por não acreditar em aléns ditosos, depois de vencido o desafio de um qualquer juízo final.
Sabemos que Bergman, o cineasta sueco, passou por grave crise existencial a meio dos quarentas e decidiu mudar tudo quanto filmaria a partir daí. Precisamente por se lhe colocar, nessa altura, tal pergunta. Ou que Julião Sarmento, em entrevista hoje vista, justifica a arte como um desejo de deixar marca para quando já cá não estiver. Mesmo reconhecendo o quanto ela, igualmente, suscita um poder de sedução em outrem, enquanto vivo.
No romance do autor espanhol o velho Miralles, que passara pela Guerra Civil de Espanha e pela Segunda Guerra Mundial, alinhando com os derrotados na primeira, e com os vencedores na segunda, lamenta-se-lhe pelo facto de terem sido tantos os jovens da sua aldeia dispostos a vestirem a farda republicana para a defender do fascismo e, anos depois, terminado o ciclo dos campos de combate por que passara, só ele sobrar vivo. E não haver quem viesse a lembrar-se de todos eles, dos seus rostos bem nítidos na memoria, que sabia terem correspondido a tantas inquietações e utopias.
Qual a reação de Javier ao lamento do antigo guerreiro? Compromete-se a lembrar-lhes os nomes no romance para, pelo menos, deles restar um dos seus traços identitários! E assim nós, enquanto leitores, homenageamo-los pela coragem, pela determinação e pela generosidade com que tudo deram - mesmo a vida! - para contrariar a besta fascista.
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