Na próxima quinta-feira, dia 1, inicia-se o ciclo dedicado a Al Pacino no Cineclube Gandaia. Muito polémico na época - a comunidade cubana de Miami protestou por causa da má imagem dela apresentada e houve quem muito criticasse a excessiva violência e linguagem -, é um filme que vale a pena reavaliar.
Se há um episódio histórico que «Scarface» nos permite recordar foi o grande êxodo cubano para os EUA, quando a Administração de Jimmy Carter abriu as portas a todos quantos, em barcos e jangadas toscas, saíssem da praia de Mariel e atravessassem o braço de mar entre a ilha de Fidel e a Florida. Esperto, o líder de Havana decidiu abrir as portas das prisões onde estavam encarcerados os prisioneiros de delito comum e incentivou-os a juntarem-se à emigração. No total terão sido 25 mil os ladrões e traficantes a integrarem essa mole humana, que totalizou 125 mil pessoas.
O enquadramento político, e o quanto ele era fruto do ilusório sonho americano, começou a ser trabalhado pelo realizador Sidney Lumet, contratado pelo produtor Martin Bregman para a remake do filme homónimo de 1932, que se tornara numa das obras mais memoráveis de Howard Hawks.
Por essa altura Al Pacino apenas estava ligado à produção enquanto proponente da ideia, surgida quando vira o filme original num cinema de Los Angeles. Quem estaria pensado para o papel de mafioso seria Robert de Niro, que afinal se viu substituído antes de sequer ter oportunidade de o aceitar ou recusar.
Depressa compreendendo que a sua proposta mais politizada não era a que o produtor tinha em mente, Lumet afastou-se e foi substituído por Brian de Palma e pelo argumentista Oliver Stone, então a contas com uma aguda toxicodependência em cocaína. Convenhamos que chegava-lhe às mãos uma encomenda sobre assunto do seu pleno conhecimento.
A estória foi, então desenvolvida em torno de um sem ninguém, Tony Montana, que chega a Miami sem um cêntimo e que, graças à falta de escrúpulos para matar quem quer que seja, conquanto lhe paguem o serviço, depressa conhece ascensão fulgurante. Tornar-se num dos homens de confiança do líder da máfia local é apenas mais um passo para o verdadeiro objetivo: chegar ao topo eliminando o momentâneo chefe. Tanto mais que ele é casado com a bela Elvira, que Tony exige venha a ser exclusivamente sua.
Num filme de excessos - a começar pela própria interpretação de Al Pacino, toda ela num registo de overacting, que chega a ser risível! - a violência cedo atinge climaxes quase insuportáveis, nomeadamente na cena com a motosserra, que levou os escritores John Irving e Kurt Vonnegut a saírem da sala, escandalizados com a crueldade tão explicitamente mostrada. Mas não foram os únicos: a velha atriz Lucille Ball, que se fizera acompanhar da família, escandalizou-se com o vernáculo constante (são 226 as vezes que se ouve no filme a palavra começada por éfe!). O mais calmo dos espectadores nessa memorável sessão terá sido Dustin Hoffman, que confessou ter adormecido durante as quase três horas de duração do filme.
Tão-só chega ao topo, Tony inicia a rápida e abrupta queda: viciado no pó branco - que a câmara se deleita a mostrar! - torna-se paranoico, não confiando em ninguém. A relação com Elvira deteriora-se ao compreender que ela nunca lhe dará o desejado herdeiro, e a própria irmã - por quem nutre incestuosa atração! - exaspera-o levando-o a assassinar o seu próprio braço direito, que com ele viera de Cuba, por o ter encontrado na cama dela. Só depois de descarregar-lhe as balas no corpo, fica a saber que Gina e Manny se haviam casado em segredo na véspera.
O final é o esperado, mas constitui porventura a sequência mais notável do filme, sabendo-se que Spielberg comparecera no local da rodagem para dar uma mão a DePalma nessa parte. E a cena do corpo a boiar na piscina fica por certo na nossa memória.
Amado por uns, odiado por outros, «Scarface» tem sido reavaliado mais positivamente à medida que os anos vão passando. Mas, Al Pacino, objeto do ciclo deste mês no Cineclube Gandaia, esteve longe de aqui mostrar o melhor do seu talento.
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