Em 1878 a viagem que Samuel Clemens (mais conhecido como Mark Twain) está a fazer pela Alemanha tem dois propósitos: fugir aos credores e superar a crise de inspiração, que o fazia sentir-se incapaz de repetir o sucesso de «Tom Sawyer», publicado dois anos antes.
Por isso mesmo, e apesar de se fazer acompanhar pela família, imaginou-se numa caminhada com um guia imaginário, Harris, com quem passaria os dias a conversar sobre as idiossincrasias dos anfitriões, ora relatando-lhes as lendas, ora espantando-se com os seus mais estranhos costumes. Seria pelo menos esse o fio condutor de «A Tramp Abroad», o título que resultaria desta aventura.
Mas, não tendo dinheiro para satisfazer as despesas do dia-a-dia, o escritor - já muito conhecido na Europa! - começa a fazer-se remunerar por coloridas conferências em que se revela exímio na sucessão de piadas. Descobre assim uma fonte inesperada de rendimentos, de que jamais abdicará até morrer.
«A Tramp Abroad» também replica um êxito anterior, quando ainda jovem jornalista, Twain acompanhara turistas americanos num cruzeiro pela Europa e reproduzira tal vivência no bem sucedido «The Innocents Abroad». Enquanto não se consolidava na mente o projeto «Hucleberry Finn», não se pode dizer que o escritor estivesse muito apostado em se inovar.
No livro descreve os alemães como afáveis, trabalhadores, com espírito de humor. Fascina-o a Velha Europa em contraponto com a jovem América e avança com episódios pitorescos. Por exemplo, em Heidelberga, estava na moda viver a experiência carcerária. Assim, os cavalheiros combinavam com o diretor da prisão local a melhor data para passarem umas horas, quiçá mesmo um fim-de-semana, na descoberta das excitantes emoções de aí se “hospedarem”.
Tomando-se como o simplório, que não era, também conta como, em Mannheim, foi a uma récita do «Lohengrin» e achou tão insuportável a chinfrineira, que se vira acometido de dolorosa enxaqueca.
Em Baden-Baden frequenta as termas para aliviar as dores reumáticas e elogia a elegância dos espetáculos ao ar livre e os passeios galantes de quem ia de cá para lá, e de lá para cá, só para ver e ser visto.
A imaginação condu-lo até a um encontro inusitado com um corvo falante a quem recusara o diálogo, porque não se imaginava capaz de dar confiança a tal interlocutor.
A viagem à Alemanha, na sua versão literária, conclui-se na Floresta Negra onde encontra habitantes muito agarrados à terra e com um dialeto próprio recheado de subtilezas.
Ao regressar à América, Twain ia mais serenado quanto à capacidade para fazer da escrita a exclusiva fonte de rendimento e, nos anos seguintes, o ritmo com que se iam sucedendo novos títulos, fez-se torrencial.
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