Todos os anos a aproximação das Feiras do Livro traduz-se na publicação de novos títulos de escritores, que ganharam o nosso apreço nos últimos anos, e por isso merecedores de reiterada atenção.
Um deles é Bruno Viera do Amaral, que fundamenta os temas dos seus livros numa frase de Forster: é inevitável escrever-se sobre as experiências pessoais com duas únicas exclusões: o nascimento e a morte.
Depois de ter sido considerado uma das grandes revelações literárias dos últimos anos com «As Primeiras Coisas», Amaral regressa agora com «Hoje Estarás Comigo no Paraíso».
Em causa a porfiada abordagem de um crime efetivamente ocorrido na sua própria família, quando ainda era um miúdo e nada pudera entender sobre o sucedido ao primo. Mas, mais do que o lado criminal, importa recordar qual era o estado da luta das classes na Margem Sul em meados dos anos 80 e qual a influência das origens africanas em muitos dos inadaptados, que se viram condenados pelas adversas circunstâncias desses anos.
Outro título sobre o qual é lícito aguardar o quanto de estimulante nos oferecerá enquanto leitores é «A mulher-sem-cabeça e o homem-do-mau-olhado», um conjunto de treze narrativas em torno da ideia de mito e da casa das máquinas enquanto nova centralidade da nossa sociedade. Gonçalo M. Tavares revela-se, livro a livro, como um filósofo apostado em consolidar os percursos interiores recorrendo a personagens tão metafóricos como a mulher sem cabeça, o homem com mais de dois metros e trinta de altura e outros prodígios similares.
Interesse também terá por certo a leitura de «O Edifício de Pedra» da turca Asli Erdogan, que passou diversos meses na prisão depois do contragolpe do seu homónimo. Acusada de envolvimento em atividades terroristas, limitou-se a utilizar a liberdade de expressão para exigir os direitos devidos às mulheres.
O que este livro tem de mais singular é o seu efeito premonitório: quando o escreveu, Asli ainda não conhecera na pele o quotidiano carcerário, mas conseguiu ser bastante detalhada na descrição dos efeitos da violência e da tortura, sobretudo psicológica, aplicados a quem tem a desdita de ser ali conduzido pelas polícias.
A leitura implicará por certo uma reação expectável: a execração da Turquia de hoje por constituir inquietante exemplo da resiliência dos regimes abertamente fascistas no contexto europeu.
A concluir o alerta para um pequeno livro da autoria de Stefan Zweig sobre o declínio da cultura perante a barbárie: «O Mundo de Ontem».
Ele, que foi uma vítima colateral do nazismo, com a sua depressão suicida, causada pela sua experiência direta de contacto com os nazis, descreve de forma muito impressiva o quanto lhe pareceu terrificamente grandioso o entusiasmo dos compatriotas, quando viram chegar a Viena as tropas ocupantes enviadas a mando de Hitler.
Verdadeiramente assustadores os instintos manifestados pelo animal humano em demasiadas ocasiões da sua História.
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