segunda-feira, maio 29, 2017

(DIM) Cinema militante ou de denúncia

1. «A Fábrica do Nada», filme de Pedro Pinho, foi recompensado com um dos prémios de prestígio do Festival de Cannes dando notoriedade a uma proposta ficcional alicerçada no real. Uma vez mais fica comprovada a eficácia dos filmes, que inserem uma vertente documental na sua ficção, ou enriquecem os documentários com estórias de permeio.
Na origem do projeto estava uma peça de Judith Herzberg em que os operários de uma fábrica abandonada pelos patrões criavam uma nova mercadoria de sucesso, o Nada.
Pedro Pinho instalou a sua equipa numa fábrica de elevadores à beira da falência e aliciou para o seu projeto alguns operários bastante identificados com a realidade a explorar: a necessidade de impedirem as máquinas de desaparecerem a meio da noite e a ponderação quanto à possibilidade de prosseguirem a atividade produtiva numa lógica de autogestão.
Numa recente entrevista ao «Expresso», o realizador considerou falidos ou desacreditados todos os discursos militantes. Mas “ao mesmo tempo damo-nos conta de que a realidade não mudou assim tanto, até pelo contrário: tornou-se mais agressiva”.
O sucesso previsível deste «A Fábrica do Nada», apesar das três horas de duração, e o de «Eu, Daniel Blake», alguns meses atrás, tornam questionável esse suposto esgotamento dos filmes com características ideológicas mais evidentes.
Talvez não seja fácil alcançar financiamentos para que eles se produzam, mas muitos potenciais espectadores aguardam por imagens sintonizadas com as suas inquietações e com as possíveis respostas para as verem aquietadas.
Quem declarou morto e enterrado o cinema militante, estava a pecar por claro exagero.
2. Em 2011 a cidade de Jacksonville, na Flórida, despertou para uma história horrenda: Cristian, um miúdo de 12 anos, aproveitara a ausência da mãe, para agredir violentamente o irmão de dois anos, causando-lhe múltiplas fraturas cranianas, que se viriam a revelar fatais após algumas horas em estado crítico no hospital.
As primeiras imagens do documentário «Juvenile Lifers» mostram uma detetive a forçar uma rápida confissão de culpa do miúdo, que seria aproveitada pela procuradora-geral Angela Corey para garantir a pronta condenação a prisão perpétua. E, nas suas palavras, fica implícita a pena por não levar a punição até à execução, porque disso foi impedida pela jurisprudência do Supremo Tribunal, que impede tal exagero nos casos com menores.
O escândalo foi tal, que uma conceituada firma de advogados tomou em mãos a defesa pro bono do réu, pondo em causa as circunstâncias em que o crime ocorrera. Ficamos, assim a saber que a mãe engravidara dele aos doze anos como resultado de uma violação. Que o padrasto costumava agredi-lo frequentemente como constatavam os colegas da escola onde aparecia com as marcas dessa violência. Mas o aspeto mais perturbante do documentário aparece quase no final, quando o sabemos condenado a sete anos de prisão depois de um acordo entre a defesa e a acusação para alterar a acusação para homicídio involuntário: na realidade ele teria encoberto a verdadeira autora do homicídio, a mãe, que num ataque de fúria, agredira a vítima e depois se declarara ausente do local onde tudo ocorrera.
Para além de pôr em causa a investigação, que pode condenar crianças inocentes a penas abjetas, fica em causa a «Justiça» de um Estado onde todos os programas de reeducação e reabilitação de delinquentes foram extintos e passou a vigorar um sistema apostado na punição. Independentemente de se ter ou não a certeza de a ver incidir sobre os verdadeiros culpados.
Cristian Fernandez só para o ano será liberto, mas não se pode adivinhar o que este longo encarceramento terá causado na sua personalidade.

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