Nos últimos anos foi tanto o foguetório em torno do último romance de James Salter, que teci expectativas bastante altas na fruição da sua leitura. Conheço tão bons escritores norte-americanos que, alguém tão incensado pela generalidade da imprensa literária francesa, logo imitada pelos poucos jornais portugueses ainda apostados no tema, teria de me exultar.
Enganei-me claro: não é que entedie o percurso do protagonista, Bowman, desde as batalhas navais no Pacífico na Segunda Guerra Mundial até à avançada maturidade enquanto editor nova-iorquino. Li-o com gosto, mas sem encontrar motivo de tão anunciado entusiasmo.
São décadas de sucessivos amores e desamores, de convívio com escritores e seus agentes, sem nunca iludir a solidão, que amiúde habita os seus dias.
Trata-se, confessa o escritor, de uma forma de autobiografia por intermédio de um alter ego, que dá substância à citação inicial: “Chega uma altura em que percebemos que tudo é um sonho, e só as coisas guardadas por escrito têm alguma possibilidade de serem reais”.
Aqui e além vamos pressentindo os acontecimentos históricos como cenário de fundo - por exemplo o atentado de Dallas - mas pouco condicionam o rame rame em que se convertem os dias, semanas ou meses.
As mulheres vão-se sucedendo umas às outras mas, embora as deseje intensamente, sabe que nunca as chega verdadeiramente a conhecer. Uma delas, Christine Vassilaros, quase o leva à paixão assolapada mas é a que maior dor lhe causa, ao traí-lo e ao espoliá-lo da casa, que planeara com ela partilhar para o resto dos seus dias.
“ Sentia-se humilhado. Era uma ferida que não queria sarar. Estava sempre a examiná-la. Tentou perceber onde tinha errado. Não devia ter concordado em que ela vivesse no campo, assim não teria conhecido o outro. Não devia ter confiado tanto nela. Não se devia ter deixado escravizar pelo prazer que ela lhe proporcionava, mas isso teria sido impossível, e afinal ela não queria saber dele para nada”. (pág.264)
O álcool em excesso não lhe cura a ferida aberta e só quando se vinga, um par de anos depois, seduzindo a que estivera para ser sua enteada e a deixa abandonada sem dinheiro num hotel parisiense é que, na crapulice do gesto, se sente de algum modo compensado.
Não acompanhamos, pois, um modelo de virtudes. Se alguma vez personificara o herói, há muito que esse tempo passara, quando despira a farda militar.
Essas memórias tinham acabado por se remeter para as zonas mais profundas do cérebro, só raramente aflorando brevemente à superfície.
Os desequilíbrios corrigem-se e, no final, o protagonista até está disponível para um recomeço amoroso com partida do mais mítico dos espaços românticos: Veneza.
Ao fechar o romance recorda-se uma velha frase de há meio século: estes publicitários são uns exagerados! É que tenho por certa a dificuldade de recordar a intriga se, daqui a um par de anos, voltar a dar de caras com este título. Talvez tenha então de me socorrer destas notas para confirmar que, tendo levado tantos anos a conhecer a prosa de Salter, nada a equipara em qualidade à dos meus autores preferidos nos USA: Philip Roth, Don DeLillo, até mesmo Paul Auster...
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