O foco dos telejornais deixou de estar localizado em Fátima, tão só o Papa apanhou o avião para regressar a casa e, da mesma forma, também saiu dos cinemas o filme do mesmo nome, realizado por João Canijo. Injustamente, porque tratou-se de uma proposta muito interessante e com potencial para ter alcançado um número bastante mais substancial de espectadores do que os conseguidos em duas semanas de exibição.
Curiosamente, quando começou a preparar o filme, o realizador não tinha por tema esse grupo de peregrinas partidas de Trás-os-Montes movidas pelo objetivo de chegarem à Cova da Iria a 12 de maio. Para ele a ideia a explorar era a de conjugar um grupo de mulheres num espaço limitado em que fossem obrigadas a conviver as vinte e quatro horas do dia deixando que as emoções se exacerbassem até situações limite. Tratava-se de partir de um equilíbrio inicial, que se perderia a meio do percurso, suscitando um climax dce violência até perto do final, altura em que se retomaria o mesmo ou um outro ´reequilíbrio.
Que contextos se poderiam ajustar a essa exploração: uma campanha na agricultura? Uma excursão?
A possibilidade de uma peregrinação a pé até Fátima acabou por representar uma epifania, que abria uma outra abrangência temática, porque, enquanto ateu, Canijo seria levado a ensaiar a explicação para que tantas pessoas levem a devoção a sofrimentos tão atrozes.
No fundo é a questão, que se coloca hoje em dia à Igreja pela voz do atual Papa: como é que uma mensagem de alegria e de generosidade pode ter o contraponto em tal dor e numa tão singular crença em pressupostos que, vistos de fora, só podem parecer absurdos?
Porque faz todo o sentido a mistura do documentário com a ficção as onze atrizes e o próprio João Canijo passaram pelo «laboratório», ou seja, viveram a experiência concreta de percorrerem centenas de quilómetros durante nove dias para credibilizarem, tanto quanto possível, o esforço dos que os costumam percorrer a pé.
No final foi o próprio realizador a reconhecer que não encontrou resposta para as questões suscitadas por tal fenómeno sociológico, cujo sentido espanta ver sobrepor-se aos argumentos racionais de uma evolução tecnológica e política, que tenderiam a desmistifica-lo. Mas o filme é também o excelente desempenho das atrizes, elas próprias cocriadoras do argumento e capazes de dar essa ideia de, também a caminho de Fátima, o Inferno surgir corporizado na presença excessiva dos outros.
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