Desde «O Último Cabalista de Lisboa», que Richard Zimler passou a justificar a minha atenção como leitor, graças à sua prosa enxuta e a estórias enquadradas em contextos históricos aliciantes, que transparecem um prévio e muito sério trabalho de investigação. Por isso os seus livros, além de nos darem a garantia de entretenimento inteligente, também muito nos ensinam sobre as épocas neles versadas.
Confesso, porém, alguma renitência inicial perante «O Evangelho Segundo Lázaro»: é que, ateu por natureza, pouco interesse me merece a vida de Jesus Cristo num registo hagiográfico. Tenho-o como um resistente à ocupação romana, que adotou um discurso político bem sucedido através do recurso à ânsia mística dos seus contemporâneos.
Chegado agora às primeiras 300 das quase 450 páginas do romance confesso-me rendido, porque nada nele se orienta para uma abordagem devota. Lázaro, que faz figura de narrador, anota num pergaminho os factos a que assistiu em Yerushalayim, quando Yeshua foi preso a mando dos sacerdotes do Templo, Anás e Caifás.
O documento destina-se a Yaphiel a quem pretende deixar o legado do seu saber e experiência. Mas começa por um mistério inexplicado: durante dois dias Lázaro esteve morto e sepultado, vendo-se ressuscitado sem saber como, muito embora possa haver alguma relação com a mágica intervenção de Yeshua ao rezar-lhe junto ao esquife.
A ter havido, de facto, fundamento nessa causa, tratar-se-ia de uma retribuição porque, em miúdos, Lázaro salvara o amigo de morrer afogado num rio onde ambos se banhavam.
Miraculado, Lázaro passa a ser olhado com desconfiança pelos sacerdotes do Templo, que não o querem ver a abençoar quantos a ele se dirigem para lhe pedirem cura das doenças de que padecem. E, sobretudo, frustra-o o facto de nada se lembrar das horas passadas no Além. Ele, que tanto desejaria ter respostas para o quanto sucederia depois da morte, de nada se consegue recordar.
Estou agora na parte em que Yeshua acaba de ser preso para enfrentar o seu conhecido destino. Mas Zimler consegue rodear esta bem conhecida versão com toda a complexidade inerente a relações diversas entre ocupantes e ocupados, poderes religiosos instalados contra os que a eles se pretendem substituir e sobre o tema da traição dos que mais tenderíamos a confiar...
Sem comentários:
Enviar um comentário