Vi o meu primeiro Spielberg no há muito extinto cinema Apolo 70 e nunca mais o esqueci: «Duel» era a luta pela sobrevivência de um homem vulgar quando se via ameaçado por um enorme camião, ao transitar por uma estrada desértica.
O filme prestou-se, então, a muitas leituras, umas orientadas para a sua inserção no género fantástico, outras mais focalizadas na metáfora do indivíduo a contas com as ameaças de uma sociedade violenta.
O terceiro episódio do filme argentino, que temos vindo aqui a abordar, repete a situação, substituindo o camião por um chaço velho cujo condutor dificulta ao máximo a ultrapassagem por um carro de alta cilindrada. Ao consegui-lo o dono deste último faz-lhe o trivial sinal com os dedos sem adivinhar que, mais adiante, junto a uma ponte sobre um rio, iria ter um furo, vendo-se confrontado com a ira do outro.
Esta mudança de protagonistas leva-nos obrigatoriamente para o contexto da luta de classes e torna a história inequivocamente reacionária. O espetador identifica-se logo com o condutor mais abonado, olhando para o outro como o energúmeno que aparenta ser.
Depois é o que se imagina: uma luta corpo a corpo até ambos morrerem abraçados, levando a polícia, entretanto chegada para constatar os homicídios, a tecer a tese cínica de se poder tratar de um crime passional.
A ironia deste final, cuja aparência não podia estar mais desfasada da que acabáramos de testemunhar, não nos impede de considerar quanto o realizador terá menosprezado as conclusões, que qualquer um tira de tal episódio: a desigualdade de rendimentos conduz a uma guerra social, motivada pela arrogância do rico e pela inveja do pobre. Melhor teria valido não se provocarem, nem guerrearem para nenhum deles acabar perdedor.
Ora isto não é mais do que uma reprodução do princípio salazarista da cooperação entre as classes «a bem da Nação», todos seguindo o principio de que «juizinho é que é preciso».
Não é, pois, o episódio que cinematograficamente, menos me tenha agradado, mas ideologicamente é-o decerto.
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