A entrevista dada por Matthias Enard ao João Céu e Silva no «Diário de Notícias» coincidiu com a receção do caixote oriundo do meu clube do livro francês, com os títulos mais interessantes de entre os que se vão publicando recentemente em França.
Um dos que agora me chegou às mãos foi, precisamente, «Boussole» desse autor, galardoado com o Goncourt deste ano. E estou justificadamente expectante para esta viagem de um orientalista que, sempre de pijama, e sentado no sofá, passa sete horas de insónia a fazer o balanço das diferenças civilizacionais entre a Europa iluminista e esse Oriente, que se tornou para ela uma construção imaginária, com muitas diferenças em relação à sua verdadeira identidade.
Numa época em que gente perigosa anda a perorar sobre «choque» entre civilizações incompatíveis, o livro de Enard pretende demonstrar o contrário: elas podem ser, não só harmonizáveis, mas também miscigenáveis.
Na entrevista em causa o autor diz duas frases com que me sinto particularmente identificado: “A viagem é cada vez mais feita de muitas realidades, como de informações que outros viajantes trazem, e não só de querer ir ao local”.
A minha longa experiência de viajante por todos os continentes - ou, pelo menos, pelos seus portos! - levou-me amiúde a compreender que deveria ter lido certos textos e absorvido determinadas informações para conseguir ver aquilo que me surgia diante dos olhos.
Ao longo de tantos anos e experiências, estou convicto de ter tido à minha frente muitos edifícios e histórias a eles associadas, que me deleitariam o olhar e, cuja ignorância na altura, me fizeram delas cego.
A outra frase interessante de Énard coaduna-se com o que eu próprio penso e ando a tentar incorporar nos meus exercícios ficcionais: “No século XXI o romance integra tudo. A ficção aproxima-se do ensaio, bem como de temas jornalísticos e de imagens”. Eu não o conseguiria dizer melhor!
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