Uma das razões para me andar a agradar esta fase do cinema português é por, seja nas curtas, seja nas longas metragens, tratar quase sempre da realidade concreta, sem romantismos espúrios, nem a cínica mordacidade de troçar dos que poderiam ser tentadas a apresentar como feios, porcos e maus. Não é pois a dos bairros das supostas classes médias, que servem de cenário às acéfalas telenovelas, mas as dos bairros populares onde a luta pela sobrevivência diária é um desafio permanente.
Em «São Jorge», que agora é apresentado no Festival de Veneza, Marco Martins dá-nos um retrato do Portugal desgovernado por Passos Coelho e Paulo Portas, onde a esperança é inexistente, as pessoas vagueiam pelas ruas como se estivessem letárgicas e sem rumo e os pobres dos pobres agridem-se entre si por não terem outra solução para existirem. O personagem interpretado por Nuno Lopes é um homem endividado, cujo hobby era o boxe e que aceita fazer cobranças difíceis para conseguir pagar as suas contas.
Nas classes mais desfavorecidas, e também elas as ideologicamente mais incapazes de compreenderem as causas verdadeiras da sua condição, cumpre-se o preceito hobbesiano de ser o homem o lobo do homem. Com as consequências dramáticas, que isso provoca.
Porque há que dar voz a essas pessoas tão abandonadas pelos comuns meios de comunicação - que só a elas acorrem quando protagonizam episódios de faca e alguidar - Marco Martins e Nuno Lopes sentem-se tentados torná-las no foco das suas ulteriores colaborações. É que, para mudar o mundo - objetivo da atual maioria parlamentar! - há que saber quem são, de facto aqueles a quem prioritariamente as suas políticas serão destinadas, não só dignificando-os com rendimentos menos exíguos, mas dando-lhes as qualificações necessárias à sua merecida entrada no elevador social…
«São Jorge» será outro filme de visão obrigatória, quando se estrear nas salas portuguesas.
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