Em 1928, quando ainda era um miúdo, o narrador integrava um grupo de duas dúzias de «Comanches» no que constituía uma espécie de ATL depois de concluída a época escolar.
Joey, o Chefe, com vinte e poucos anos, levava-os para campos de basebol no Central Park ou a acamparem fora de Manhattan, sempre contando, em episódios palpitantes, as aventuras do Homem-Gargalhada. Este era um criminoso que descendia de um casal de missionários, aos quais bandidos chineses lhes tinham raptado o filho para o torturarem e deformarem o rosto, deixando-lhe porém intactas as capacidades para entender e ser entendido por animais, nomeadamente os lobos.
Esta especialização do personagem ficcional é bastante desconcertante, porque Joey escolhe para manter a atenção dos seus miúdos, um “herói”, que não deixa de ser um delinquente.
Esta escusa do maniqueísmo constitui, logo à partida, uma das curiosidades, que possibilitam leituras múltiplas deste conto, seja através das ferramentas da psicologia ou da psicanálise, seja através de outras áreas das Humanidades.
Naquele verão os «Comanches» vão acompanhando a história desse fascinante personagem, mas também, em paralelo, a evolução amorosa e desamorosa entre Joey e a belíssima Mary, que conseguira enorme empatia nos miúdos graças aos dotes no basebol.
Tratando-se de crianças em vias de chegarem à puberdade, e à consequente curiosidade pelas questões do sexo, essa narrativa colateral ganha tanta relevância como o fascínio entre elas e o monitor, ou como a estória que lhes serve de entretenimento.
Quando de omnipresente Mary se faz ausente, o verão está quase a acabar e o Homem-Gargalhada também chega à derradeira e fatal aventura.
Publicado originalmente no «New Yorker» de 19 de março de 1949, este conto de Salinger é particularmente interessante por ser a história da iniciação para alguns miúdos, ora confrontados com a extrema violência inerente às histórias do delinquente cujo rosto fora deformado mediante o seu aperto num torno, ora com a evolução do namoro do seu monitor. Mas também sobre a distância que vai entre a ficção e a realidade…
O próprio leitor, ao ser convocado para as suas próprias memórias, torna-se de algum modo num participante ativo das que, literariamente, o estimulam.
Em poucas páginas, o autor dá-nos uma notável lição de como complexificar uma intriga onde nada parece a mais. Nem uma palavra, nem uma frase, nem um mero episódio do que nesse verão ocorre.
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