Se a vida dos homens forçados a irem para a guerra não era fácil, a das mulheres não se mostrava menos sujeita a provações. Que o diga a bela Malena, cujas vicissitudes iremos conhecer pelo olhar do adolescente Renato Amoroso, que a pé ou de bicicleta a segue por todo o lado, estimulado pela paixão assolapada que lhe dedica. O marido foi enviado para a guerra na Abissínia e ela vê a sua beleza tornar-se no estímulo para as mais depravadas fantasias eróticas dos homens de Castelcutó e de inveja homicida das respetivas mulheres.
Embora se pretenda quase casto na sua adoração por ela, Renato não hesita em apossar-se de uma das suas peças íntimas de vestuário, por ela estendidas no quintal, para se imaginar mais próximo do objeto da sua obsessão.
Um dia a notícia da morte do marido de Malena chega à cidade e ela vê-se ainda mais desejada ou odiada por ter transitado para a condição de viúva. Os rumores disseminam-se com a mesma perfídia um dia descrita por Gabriel Garcia Marquez sobre uma vila colombiana onde, de madrugada, eram afixados panfletos destinados a manchar a reputação das mais variadas personalidades ali residentes. Para Malena inventam-se relações escaldantes com a maioria dos homens da pequena cidade siciliana, nalguns casos em orgias intermináveis.
A mulher do dentista leva-a a tribunal para a acusar de ter seduzido o orgulhoso conjugue, mas um advogado excessivo na retórica livra-a da condenação, mesmo se à custa de pagamento em favores carnais.
A possibilidade de a desposar ainda se coloca, mas quem se pode opor à «mamma» colérica, que proíbe tal ligação?
Sob o olhar sofrido de Renato, outros homens começam a aceder ao leito da amada, sem quaisquer pruridos seletivos: tanto vão lá parar os rufiões fascistas da cidade como os oficiais nazis, que tinham entretanto ocupado a Itália. Razão para ser agredida, insultada e ficar sem a cabeleira, quando os americanos chegam, e as mulheres podem, enfim, dar vazão aos seus piores ressentimentos.
Humilhada, ela parte para Messina, com o sempre atento Renato a despedir-se silenciosamente de um ciclo de crescimento definitivamente encerrado. Quando, semanas depois, ressurge da falsa morte anunciada, o marido de Malena só consegue informação fiável do seu paradeiro pelo rapaz, que suspeita ser essa a atitude adequada para livrar Malena daquilo que teve de continuar a fazer: prostituir-se num bordel.
Um ano depois, Renato sente algum comprazimento, quando vê o casal regressar à cidade e enfrentar corajosamente o olhar cobarde dos que a tinham martirizado. Mas a tristeza irreversível parece ter-se apossado do rosto dela...
Realizado doze anos depois de «Cinema Paraíso», que foi o filme de Tornatore, que mais me agradou, este «Malena» tem vários equívocos a menoriza-lo, o menor dos quais não deixa de ser volubilidade das turbas capazes de mostrarem o mesmo seguidismo a uma ideia política e à sua contrária.
Dirão os mais inocentes: mas não é isso que acontece sempre, lembrando-se de uma piada reacionária do nosso pós-25 de abril, que lembrava a duplicação da população de um dia para o outro, porque o dia da Revolução tinha despontado num país com 10 milhões de fascistas que, horas depois, contava com outros tantos antifascistas? Mesmo que isso fosse verdade, o que não era o facto, o cinema é mais do que um retrato da História, dando dela uma leitura com efeitos ideológicos nos espectadores. E aqui trata-se de esquecer que, mesmo nos períodos mais negros do fascismo, existiram milhares de opositores prontos a rejeitarem e a lutarem contra a força bruta então aparentemente invencível.
Acresce ainda que, ao contrário do filme anterior, em que as citações cinéfilas tinham um sentido inequívoco e apontavam para uma leitura coerente, as de «Malena» são bem mais preguiçosas e só estão lá porque Tornatore julgara ter encontrado um filão a explorar até à náusea.
A sua filmografia posterior confirmaria que, depois de «Cinema Paraíso» o seu talento veio sempre a evoluir em sentido decrescente.
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