O protagonista deste romance de Tahar Ben Jelloun - que se confunde com o narrador e o próprio autor! -, sente como traumatizante os dois anos de internamento obrigatório num campo disciplinar para quem tinha atividades contestatárias: “a aldeia de Dew Teït fica a uns trinta quilómetros de Meknés. Uma aldeia pobre e rude onde o ar é puro, incrustada no alto de um penedo na orla de uma mata de pinheiros de cedros” (pág. 70)
É curioso como, na época, a repressão das atividades revolucionárias assumia sempre a forma de degredo para regiões periféricas, só variando na dureza, porque não se pode comparar a aqui exposta, ou a vivida por alguns italianos nalgumas ilhas adriáticas durante o consulado mussoliniano, e a recorrida pelo salazarismo com o campo da morte lenta no Tarrafal.
A explicação sobre o título acontece num pequeno episódio, bastante secundário, quando se dirige para lá. Passa-se no comboio onde encontra alguém que dizia ter sido escrivão público: “ainda me lembro do rosto daquele homem, sem idade, rosto marcado pela inquietação e pelo tormento. Dir-se-ia, pela cor da pele, que vinha do deserto. Recordo ainda com precisão os longos olhares, a voz dele.” (pág. 73)
Esse tempo de espera faz com que perca a primeira namorada com quem a relação sempre fora inibidora de verdadeira realização afetiva: “A presença da tradição e das convenções sociais fez com que a nossa sexualidade tivesse sido enferma, inacabada, frustrada» (pág. 57)
Quando regressa a casa sente-se mudado: “É curioso como a gente se habitua, até mesmo à ausência de carícias. Esquecemo-nos. A vida deixa de ser ritmada pelo desejo. Nem sequer temos saudades disso”. (pág. 83)
Em março de 1965 assiste ao levantamento de Casablanca com miúdos, homens e mulheres sem trabalho a insurgirem-se contra a miséria em que viviam e a acabarem massacrados: “Talvez que se não tivesse vivido esses dias de terror e de angústia em que me era revelado o rosto banal, vulgar, brutal da ordem e da injustiça, talvez eu nunca tivesse escrito”. (pág. 88)
Nesta confissão temos um dos motivos mais nobres do escritor: contar o quanto se viveu, dando conta das arbitrariedades com que nunca será possível ficar conformado. Porque as vítimas carecem ser recuperadas do esquecimento e, se possível, vingadas com a imposição de uma outra ordem política capaz de lhes devolver tardiamente a razão.
Tetouan é onde se radica a seguir num périplo, que já se adivinha não se conformar com as fronteiras do país ou do continente para satisfazer a vontade de encontrar maior realização pessoal: “Cidade asmática, cidadela de aparência, um corpo altivo, acoitando-se para lá do olhar e das mãos. Penetrar ali é uma audácia, uma ilusão. Mesmo o vento, quando lá chega, mais não faz do que andar às voltas” (pág. 91)
Os incessantes mergulhos na memória pessoal e no testemunho da História coletiva (não só o massacre de Casablanca, mas também os ecos das guerras - a Primeira Mundial, a da Argélia, a do Líbano) estilhaçam a linearidade da narrativa e da cronologia.
Até chegarmos ao final, quando está num terraço de café em Tânger, e sente-se reconciliado com o «país interior», ainda muito será resgatado da memória.
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