Tenho uma particular afeição pela cultura japonesa, muito embora reconheça que as minhas vivências passadas nas várias ilhas do arquipélago nipónico sempre me deram a ideia de haver algo de extraterrestre nos seus habitantes. Enquanto os chineses têm notórias semelhanças (sobretudo nos defeitos!) com os nossos comportamentos - vide a obsessão com a riqueza! - os vizinhos insulares revelam valores e rituais merecedores de encómios.
O canal franco-alemão tem neste sábado uma programação especial dedicada ao Japão com um conjunto de documentários interessantes, que permitem-nos compreender quem foram, quem são e quem tenderão a ser os que ali habitam.
À tarde repete-se a apresentação da longa-metragem de Olivier Julien, intitulada «Tóquio: cataclismos e renascimentos», datado de 2017, e onde se aprofunda a forma como a capital japonesa foi destruída por duas vezes no espaço de século e meio e soube recriar-se até alcançar o atual estatuto de ser a maior cidade do planeta com os seus 43 milhões de habitantes.
A viagem no tempo inclui espantosos arquivos de imagens sujeitas a colorização, que mostram como era pequena a cidade de Edo (prévio nome de Tóquio) a meio do século XIX., quando, em 1868 o imperador Meiji decidiu modernizá-la e fazê-la capital do seu poder. Mas, em 1923, um terrível sismo reduziu-a a escombros a que se seguiria a destruição de 1945 provocada pelas bombas incendiárias lançadas pelos norte-americanos, que visavam a capitulação de Hirohito.
O renascer das cinzas conheceu impulso significativo a partir de 1955, quando acelerou o crescimento económico do país e o salto demográfico, arquitetónico e tecnológico da cidade.
Quando a tarde começar a declinar surge «Japão: viver à sombra do vulcão Iodake», que Frank Mirbach e Susanne Steffen rodaram este ano na pequena ilha de Satsuma Iwojima, no sudeste do arquipélago. Metade desse pequeno território é ocupado pelo vulcão, que fornece aos habitantes o enxofre que, há quase um milénio, extraem e comercializam. Hoje muitos deles já partiram para ambientes económicos mais atrativos, mas os resistentes querem atrair turistas e novos residentes. Há também uma equipa de cientistas a investigar a probabilidade de uma nova erupção após sete mil e trezentos anos sem que tal tenha ocorrido.
O grande documentário do dia é o que se transmite ao início da noite, intitulado «Um samurai no Vaticano», realizado por Stéphane Bégoin e datado de 2018. O tema é o da notável epopeia da primeira embaixada japonesa na época do século XVII em que se estavam a definir grandes transformações comerciais, políticas e religiosas.
No início parte-se de perto de Sevilha, da aldeia de Coria del Rio, onde setecentos habitantes têm Japão como apelido. Ao investigar a origem de tal patronímico o historiador Jesus San Berneardino resgatou do esquecimento algo sucedido ´há quatrocentos anos, quando estava em curso a tentativa de evangelização do Japão e chegava à Europa um enorme galeão com a embaixada liderada pelo samurai Hasekura Tsurenaga enviada às cortes do rei de Espanha Filipe III e do papa Paulo V, e trazendo como intérprete o monge franciscano Luís Sotelo. A missão dessa representação diplomática era a de negociar a abertura de uma rota marítima, que competisse com a das Índias a troco do acolhimento dos missionários cristãos.
A perigosa viagem durou sete anos e culminou na chegada ao Vaticano quando Tsurenaga já se convertera ao catolicismo e era agente ativo de um arremedo de globalização.
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