Posso não gostar que o realizador se demita da obrigação de denunciar o regime de Erdogan, a pretexto de lhe interessarem, sobretudo, as personagens do filme. Essa tendência dos intelectuais para defenderem a arte pela arte, eximindo-se da responsabilidade enquanto cidadãos sempre me indignou. Devo igualmente considerar que, até agora, os filmes do cineasta turco nunca me entusiasmaram, suscitando-me o tédio na sua excessivamente longa narrativa. Mas, olhando para o trailer do filme estreado em Cannes no festival deste ano, somos obrigados a reconhecer a beleza inegável de muitas das cenas. Que justificam a deslocação ao cinema, quando estrear entre nós.
À partida há um jovem universitário, que decide regressar à terra natal - junto ao mar, e como tal culturalmente aberta para o exterior, para o novo! - a fim de repensar o que quer fazer na vida. A tentação da escrita é a mais forte, mas ao focalizar-se na figura do pai, não se arrisca a precipitar a tragédia? A dúvida consome-o, tanto quanto a desilusão amorosa, que lhe abre feridas maiores do que julgava poder suportar. As estações sucedem-se e a iminência da tragédia acompanha-as.
Ceylan começou por ter uma versão que duraria entre quatro horas e meia e cinco horas. A depuração para pouco mais de três horas desbastou-lhe o que considerou dispensável. E tinha três fins possíveis, dos quais conservou dois como alternativas em aberto.
A exemplo de qualquer um de nós o futuro do protagonista equivale ao modo como Ceylan vê a criação do filme: são múltiplos os carreiros, que conduzem ao rio caudaloso, que acaba por constituir a vida. E existem muitos meandros a contornar sem que os possamos evitar...
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