terça-feira, setembro 04, 2018

(DL) «Perdão pela América» de Philippe Rahmy


Na sua derradeira obra, o escritor suíço, falecido em outubro de 2017 com apenas cinquenta dois anos, cita abundantemente Brecht e debruça-se sobre a má-sina dos marginalizados na sociedade americana de hoje e de ontem, que não se limitam a ser banidos, porque são igualmente explorados, violentados, esmagados, encarcerados, esquecidos e assassinados.
«Pardon pour l’Amérique» não é romance, nem novela, muito menos ensaio ou livro de memórias, constituindo, porém, um pouco de todas essas possibilidades. Inicia-se na Flórida, pouco depois da tomada de posse de Donald Trump, com a sua canónica imagem de bilhete postal: carrinhos de golfe, cadillacs artilhados, peles ostensivamente bronzeadas, corpos trabalhados em ginásios e dentaduras cintilantes a suscitarem comentários cáusticos do narrador.
Os mais frágeis, os explorados da Flórida atual, tornam-se os de toda a América e os do mundo inteiro, capazes de, no meio da desgraça, ainda alimentarem uma certa esperança resiliente.
Intercecionando as dores da sua doença óssea de nascença com quantos viu condenados ao sofrimento e à raiva impotente, Rahmy só pôde manifestar-lhes a simpatia cúmplice. E, no entanto, detestando essa América, que denuncia, Rahmy não se priva de também a adorar com um amor cego e urdo, que lhe esconda a realidade nua e crua. A crueldade que alimenta acaba por virar-se contra ela própria ao engendrar uma linhagem de monstros , que constituem um perigo permanente para os que lhes servem de vizinhos. Por isso encarcera-os em prisões ou manicómios.
Rahmy visita-os nuns e noutros para conseguir mostrar que a sociedade é tão monstruosa como os homicidas que gerou, graças às humilhações e rejeições por que os fez passar...

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