A passagem à ação nem sempre se consegue justificar pelas razões que, a posteriori poderemos encontrar para a explicar. Porque significa ora uma vertigem de liberdade, ora uma experiência de alienação ou até mesmo de ódio por si próprio.
Passar à ação significa iniciar algo. Mas, na realidade esse ato só se torna possível por ter existido previamente um conjunto de circunstâncias, que o tornaram possível. Até mesmo o nosso nascimento dependeu de tantos acontecimentos retrospetivos!
Em «Os Subterrâneos do Vaticano», romance de André Gide, o personagem Lafcadio imagina como ato de liberdade suprema o empurrão dado a um desconhecido, atirando-o para fora do comboio, quando este seguia a grande velocidade no seu trajeto. Mais do que gratuito trata-se do ódio no seu estado puro, porque implica a desqualificação da vítima, por ser velho e feio, «justificando» a sua perversidade.
Noutro exemplo interessante há um homem ainda jovem, que sonha há oito anos em fazer bungee jumping e a quem os amigos, pelo aniversário, proporcionam a experiência. E, no entanto, a preparação mental não lhe evita dois minutos de hesitação até viver esse momento durante uns breves segundos. A passagem à ação não só é impelida pelos outros, mas também por si mesmo relativamente ao que construíra intimamente na mente. Poderia, porém, ter sido a inibição a sobrepor-se a essa anunciada vontade, fazendo-o recuar no último instante.
Exemplo igualmente a considerar o de uma vítima de violência doméstica, que poupou a si e à filha acrescidos sofrimentos, matando o marido, num caso que abalou a França há meia dúzia de anos e que se saldou pelo indulto total da pena judicial por decisão do presidente François Hollande. Trata-se de mais uma demonstração de como um ato pode subordinar-se a acontecimentos anteriores: se o crime em si constitui uma rutura com o que era a realidade de então, ela é explicada pelo que o estimulara. Mesmo que a sua autora logo se horrorize com o quanto acabara de fazer...
No sentido contrário há também a considerar a passagem à ação como sinónimo de coragem. No caso dos dois norte-americanos, que não hesitaram em enfrentar o terrorista prestes a atacar os passageiros de um comboio com arma branca, nem sequer tiveram tempo para ponderar nos prós e nos contras dessa atitude. Essa ação decorre do estado psíquico de quem a empreende naquele momento, porque quem pratica o ato de coragem tanto pode estar na predisposição de o cometer, como de a ele se poupar por inércia ou qualquer outra razão. Mas, já no caso de Rosa Parks, a negra que se sentou nos lugares do autocarro destinados aos brancos, recusando-se a cedê-lo, correspondeu a uma reação inerente à sua consciência moral sobre a (i)legitimidade dos que contra ela se insurgiram. Neste episódio ficou demonstrado que, muitas vezes a passagem á ação também corresponde à mudança de toda uma era.
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