terça-feira, setembro 11, 2018

(DL) Madrasta realidade


Qualquer romance norte-americano, mesmo que escrito há três décadas como é o caso de «Terra Madrasta» de Jonathan Raban, deve-nos servir para melhor entender como Trump chegou à Casa Branca. Porque o sucedido em novembro de 2016 não aconteceu por obra e graça do Espírito Santo - mesmo que os evangelistas se tenham empenhado a sério nessa eleição! -, mas por razões, que vêm de muito atrás como o autor demonstra implicitamente. De facto foi durante o New Deal de Franklin Roosevelt - um dos presidentes mais à esquerda da História norte-americana! - que se impulsionou a migração de muitos dos pobres, que atafulhavam as grandes cidades para as vastas planícies distantes das costas atlântica ou pacífica. Em vez de agradecerem a essa Administração a benesse de terras, que tinham sido espoliadas aos índios, e por onde as linhas ferroviárias pretendiam viabilizar o seu negócio com passageiros e mercadorias, esses novos proprietários adotaram uma cultura tão estúpida, quanto individualista, porque nunca passando da cepa torta - Hillary Clinton classificá-los-ia de «deploráveis»!  - sempre quiseram crer que chegariam a muito ricos se tivessem mérito para tanto! Como isso raramente sucedeu aceitaram acriticamente a explicação religiosa, que passou a atribuir à vontade divina tudo quanto lhes sucedesse de bom ou de mau.
Esse individualismo ainda mais se exacerbou quando o mesmo Roosevelt enviou brigadas de jovens a essas novas quintas para, em nome do governo federal, lhes dar a conhecer as técnicas de melhor as rentabilizar. A imagem de jovens acabados de sair das universidades, a chegarem-se à sua beira em bons carros e envergando fatos lustrosos, causou imediata antipatia por tudo quanto significasse intromissão de Washington nos seus assuntos. Ora Trump conseguiria muitos votos à conta desse ódio dos eleitores desses Estados pelas diabolizadas elites, que viveriam folgadamente às suas custas.
E, no entanto, o que Raban ia descobrindo nas deambulações pelo Montana era uma sucessão de quintas e aldeias fantasmas, porque os seus antigos proprietários teriam desistido de lutar contra uma terra demasiado árida e um céu bastante parco em chuvas para que dela conseguissem colheitas minimamente rentáveis. Os deploráveis, embora em vias de extinção, ainda são demasiados e a sua nocividade intelectual continuará a causar danos imprevisíveis na nossa contemporaneidade.

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