Para concluirmos o ciclo dedicado a Woody Allen, optámos por o iniciar e terminar com filmes ligeiros e divertidos, intrometendo-lhes os mais sérios e sombrios. No entanto, «Comédia Sexual numa Noite de Verão» é enganadoramente frívolo, porque interpela-nos a todos sobre alguns dos mais importantes dilemas com que nos defrontamos. E reside nessa constatação muito do seu encanto.
O vaudeville conheceu a sua época de glória entre 1880 e 1930, tendo o francês Georges Feydeau como seu importante expoente. Nas suas peças era comum a escolha de um grupo de casais circunscritos a um espaço e a um tempo limitados explorando-se os equívocos de a maioria dos personagens não se sentir satisfeitos com a atual situação afetiva, cobiçando a mulher ou o marido alheios. O divertimento resultava da descoberta dos flagrantes delitos e das discussões e zangas correspondentes.
Woody Allen optou por abordar o género no intervalo entre produções mais ambiciosas e como forma de suavizar uma filmografia, que estava a adensar-se e a perder os favores do público.
Porque Ingmar Bergman continuava a ser a sua referência cinéfila mais influente tomou como modelo «Sorrisos de uma noite de verão», que o sueco realizara em 1955 numa variante da conhecida peça de Shakespeare. Mas o ambiente campestre em que Allen mergulha os seus personagens - é uma das raras ocasiões em que ele opta por os evadir das grandes cidades! - também remete para o bucolismo de Tchekov. Recorre por isso mesmo à magnífica fotografia de Gordon Willis e à música romanticamente envolvente de Mendelssohn.
Deparamo-nos assim com uma história passada em 1905, quando Andrew e Adrian Hobbs convidam dois outros casais para passarem o fim-de-semana na sua casa de campo.
Léopold é primo de Andrew e faz-se acompanhar de Ariel em quem o anfitrião reconhece uma das suas mais assolapadas paixões da juventude. Razão para tentar recuperá-la, tanto mais que a frigidez de Adrian o insatisfaz.
Quem igualmente assedia Ariel é o dr. Maxwell Jordan, que se faz acompanhar da enfermeira Dulcy em quem Adrian busca conselho para resolver os seus problemas sexuais.
Não gostando de ver a namorada requestada pelo velho médico, Léopold não deixa de fisgar gulosamente Dulcy para ver se tem alguma hipótese de com ela pular a cerca.
Numa noite mágica - como já víramos acontecer na peça de Shakespeare e no filme de Bergman - os amores efémeros concretizam-se no meio de toda a confusão, que suscitam. Mas a ligeireza do tema acaba por ser algo enganadora, porque o seu lado divertido não esconde problemas bem sérios: o da dificuldade de amar, o medo da morte, a ânsia de se ser feliz. Estamos, pois, perante questões pertinentes para a maioria de todos nós: como nos realizarmos afetivamente, quando a iminência de um fim definitivo se coloca mais cedo ou mais tarde.
Para o próximo mês o Cineclube Gandaia irá comemorar abril com um conjunto de filmes portugueses que, no modelo ficcional ou de documentário, aborda o que fomos, somos e poderemos vir a ser enquanto moradores deste cantinho à beira-mar plantado.
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