Depois do ciclo de cinema francês, eis-nos a iniciar o dedicado a Woody Allen com uma comédia ainda desequilibrada, por se tratar de um dos primeiros títulos do realizador, mas divertindo com momentos de loucura quase surreal.
Quando roda «ABC do Amor», tradução pobre do original - «Tudo o que sempre quis saber sobre sexo e teve receio de perguntar» - Allen só conta com dois títulos anteriores, ainda muito marcados pela sua inexperiência: «O Inimigo Público» e «Bananas».
Neste seu terceiro filme já começa a dominar os conceitos fundamentais da realização, mesmo se o objetivo continua a cingir-se ao de fazer rir. E aproveita para homenagear alguns dos principais géneros cinematográficos de Hollywood, desde os filmes passados na Idade Média aos de ficção científica, sem esquecer os de terror.
Os filmes, que se seguirão neste ciclo - «Annie Hall» e, sobretudo, «Intimidade» - revelarão, a esse título, outro ambição. E, mesmo quando o objetivo parecerá ser só o de entretenimento, o que acontecerá com o último, valerá a pena comparar com este para comprovar como Allen tanto aprendeu entretanto.
Em 1972, quando roda estes sete sketches sobre questões próprias da sexologia, ainda predominava a cultura hippie, que se sente bem presente.
O primeiro sketch procura responder à pergunta: «Os afrodisíacos são eficazes?». Quem busca a resposta é o bobo da corte, ansioso por se deitar com a rainha, mas a ficar com a mãe comprometedoramente entalada onde não deve.
Segue-se outra questão pertinente: «O que é a sodomia?» Temos então um pastor arménio a consultar um médico de clínica geral para o ajudar a perceber porque, tendo «honrado» tão prestimosa e frequentemente a sua ovelha, ela não o parecia amar. Ora, o próprio médico apaixona-se por tal objeto de desejo e acaba por ser com ela apanhado em flagrante num quarto de hotel.
Imagine-se a ousadia de cuidar do tema da zoofilia há quarenta e cinco anos atrás, quando a «libertação sexual» ainda comportava muitos dos tabus, entretanto superados, mas em que este permanece intocado.
Segue-se outra interrogação oportuna: «Porque é que as mulheres não atingem o orgasmo?» A ilustração é feita com o italiano incapaz de superar a olímpica frieza da esposa, quando estão no recato conjugal, mas que consegue resultados surpreendentemente diferentes quando se arriscam a cumprir o ato nos espaços públicos.
«Os travestis são homossexuais?» é a pergunta que se segue. E é sketch hilariante na desvairada sucessão de peripécias, quando os compadres de um jovem casal travam enfim conhecimento. O visitante pretexta a necessidade de sair da sala e vai para o quarto da comadre para experimentar-lhe as roupas, sendo descoberto completamente transformado numa matrafona digna de desfilar em Torres Vedras. Embora o tenha insultado por ser doentio, a própria esposa acaba por se rir com tudo quanto sucedeu.
O vicio é o tema seguinte sob a forma de uma espécie de emissão televisiva onde gente conhecida tenta adivinhar as secretas perversões dos entrevistados no palco através das perguntas que lhes são dirigidas.
O penúltimo quadro é sobre os resultados das experiências sexuais. Num laboratório tudo se testa a respeito das manifestações sobre a sexualidade humana. Com riscos óbvios, porque um gigantesco seio liberta-se da área científica e vem constituir séria ameaça para o cidade vizinha. A temática psicanalítica e o humor sobre judeus têm aqui associação hilariante.
A concluir procura-se descrever o que se passa na ejaculação através de um espermatozoide à beira de passar à ação, mas obcecado por algumas angústias existenciais.
Quando chegamos ao genérico final sabemos que não se tratou de nenhuma obra-prima, mas ter-nos-emos divertido com inteligência, porque onde seria crível misturar citações de Shakespeare com o tema da sodomia, uma sátira a Norman Mailer com um espermatozoide armado em filósofo ou associar os filmes de Antonioni com as dificuldades do orgasmo feminino?
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