domingo, março 19, 2017

(DIM) «ELDORADO XXI» de Salomé Lamas (2016)

Um filme como «El Dorado XXI» sugere-me três tipos diferentes de abordagem, todos eles passíveis de serem aprofundados, mas aqui cingidos às breves notas que se seguem.
Em primeiro lugar há a surpresa de, quase na mesma altura, estrearem-se documentários de duas realizadoras, que escolheram lugares e culturas distantes como foco da sua criatividade: se Salomé Lamas foi para a comunidade humana sedentarizada a maior altitude em todo o planeta - La Rinconada, no Perú, situada a cinco mil e cem metros  acima do nível do mar  - Cláudia Varejão escolheu testemunhar a atividade das pescadoras japonesas, que continuam a mergulhar onde outrora buscavam pérolas («Ama-san»).
Há depois uma questão pessoal: num determinado período da vida decidi ser altura de abandonar a contínua navegação pelos oceanos para me fixar em terra firme. Além da urgência de estar mais tempo com a família, começava a sentir-se o peso dos salários em atraso e não muito diferentes dos que poderia almejar na reorientação da carreira profissional. Tinha, porém, dois problemas quase intransponíveis: direito a férias era mentira e quase nunca aportava a Portugal. Como concorrer então aos anúncios, que me interessassem, e aqui permanecer as semanas suficientes para as sucessivas entrevistas? Sobretudo sabendo-se que, vivendo a família unicamente do meu salário, não poderia arriscar meses a fio sem o receber.
Nesse sentido como não entender o sentimento dos que vão para La Rinconada na ilusão de só ali estarem umas semanas, as bastantes para encontrarem as pepitas de ouro que os enriquecessem,  e depressa desesperam por se verem num beco sem saída, em que nem a mina lhes prodigalizou fortuna nem sequer lhes terá garantido o suficiente para regressarem a casa.
E, numa terceira abordagem, o filme não é obra canónica do documentarismo social, mas proposta artística de quem já tem currículo muito interessante na área do vídeo arte. Daí esse longuíssimo plano inicial com mineiros a subirem e a descerem a montanha, recorrendo a um caminho lamacento, enquanto a imagem vai escurecendo com o pôr-do-sol.  Esses homens deixam de o ser transformando-se em fantasmas aprisionados numa irreversível semiexistência.
Assumindo ter maior interesse nas perguntas que sugere no quanto mostra, Salomé Lamas consegue um exercício impressivo sobre os limites impostos pelos espaços remotos, pelas terras de ninguém.


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