“Ontem aconteceu uma coisa. As deusas do Laos apareceram para falar comigo. Disseram que estamos mesmo em cima do cemitério dos reis. (…) Também disseram que os espíritos dos defuntos reis estão a usar os espíritos destes homens para travarem as suas batalhas.”
A informação dada por Jen, uma das personagens do filme, faz-nos aceder a uma explicação do que nele acontece e nos havia até então descomcertado. Porque é que vemos aqueles soldados adormecidos nos beliches de uma camarata, sem que não haja forma de os despertar.
Numa sociedade onde se acredita na magia e na ressurreição, os avanços da modernidade não conseguem dissipar a persistência dos fantasmas e dos valores dos antepassados com quem se mantém diálogos com substância.
O fascínio ocidental pelas obras de Apichatpong, premiando-o nos mais importantes festivais europeus, poderá advir dessa capacidade em trazer o passado de volta fazendo-o intervir ativamente no presente. Como se ela implicasse um modelo de interrogação da identidade de quem, vivendo hoje, tenta discernir o que nela influencia o que veio transmitido geneticamente.
E talvez não seja mera coincidência que a médium capaz de apresentar a Jen o antigo palácio, embora só dele vejamos alguns objetos alusivos a esse desaparecido edifício, também tenha como ofício o de informadora da polícia. Como se o poder quisesse conservar o controlo dessas forças da transcendência e o que elas possam despertar em quem nelas acredita. Às tantas as sugestões da amiga já influenciaram a mente a tal ponto que se se põe a questão de saber quanto se está a viver no sonho ou na realidade.
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