Se há visitas que deveriam ser obrigatórias para todos os portugueses - sobretudo para os jovens em idade escolar - a do Museu do Aljube ocuparia merecida prioridade. Porque, numa altura em que um notório fascista anda por aí a vitimizar-se em nome da liberdade que lhe terá sido coartada por uma universidade lisboeta, e que algumas dezenas de vermes da sua igualha aproveitam para se manifestarem, será fundamental não deixar esquecer como o regime de Salazar de Marcelo Caetano prendeu, torturou e assassinou quem contra ele ousava lutar.
Um dos sítios onde essa ignomínia foi cometida foi precisamente ali, junto à Sé, onde o Museu abriu há aquase dois anos. E para melhor compreender o que ali se passou, fica uma excelente sugestão de leitura: «No limiar da dor», de Ana Aranha e Carlos Ademar.
De início tratou-se de um programa de rádio com entrevistas a muitos dos que passaram pelas várias prisões da ditadura. Depois verteram-se tais testemunhos para este livro onde se compreende como a tortura visava transformar o preso numa não pessoa.
Os torturadores eram homens e mulheres sem escrúpulos que, nos inícios dos anos sessenta, substituíram as agressões de resultados visíveis nos corpos, depois olhados por advogados, juízes e familiares, por outras colhidas no Manual da CIA, que eram mais eficazes e deixavam menos marcas. Já havia a ameaça de afogamento, a estátua, o isolamento, todas elas de inaudita violência para quem as sofria.
As alucinações eram frequentes, levando o prisioneiro a perder as referências e as fronteiras do que poderia ou não revelar. E, na maioria dos casos, a Pide tinha sucesso: indo para além do que suportavam física ou psicologicamente, as vítimas acabavam por quebrar. O que os estigmatizaria futuramente junto dos companheiros e, sobretudo, consigo mesmos. Porque saber-se alinhado com o sentido da História e dar uma vitória, mesmo que passageira, aos algozes, tornou-se insuportável para a maioria dos que cederam...
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