Acordo ao som de Telemann, cujo aniversário me é anunciado no programa radiofónico, que costumava acompanhar-me todas as manhãs, quando ia de carro para o trabalho, e agora me desperta, deixando-me na grata modorrinha de alternar entre sonos ligeiros e a vigília atenta.
O regresso aos sons do compositor alemão devolve-me a confirmada compensação da experiência auditiva das suas obras, que torna inexplicável porque, tendo usufruído em vida de justa celebridade, logo ficou esquecido o suficiente para que a negligência e os bombardeamentos das guerras fizessem desaparecer muitas das mais de seis mil obras que compôs.
Em 1919, referindo-se-lhe, Romain Rolland escreveria: “a posteridade cobrou-lhe pesado tributo do insolente sucesso sobre Bach enquanto foi vivo. Esse homem cuja música era admirada em todos os países europeus, desde a França à Rússia, e a quem o severo Matheson considerava o único compositor acima de qualquer elogio, é hoje esquecido, desdenhado.”
Telemann viria a ser redescoberto nos anos 70 do século passado, quando o seu carácter extrovertido e simpático gerou uma conhecida piada: “Bach = si menor, Telemann = dó maior”. Ela fazia algum sentido perante as diferenças entre os dois compositores: Bach era o génio da síntese e da unificação das tendências e escolas mais variadas, enquanto Telemann, que a elas reagiu como se fosse um camaleão, adaptou-se-lhes e delas tirou flexível proveito. Compreende-se, pois, a prolixidade com que experimentou todos os géneros, criando obras notáveis em todos eles, fossem oratórios, cantatas, paixões, óperas, aberturas ao estilo francês e numerosos concertos e peças de música de câmara.
Nascido em Magdeburgo no ano de 1681 ficara órfão do pai desde muito cedo, mas a família, tradicionalmente centrada em pastores luteranos (era essa a profissão do progenitor), garantir-lhe-ia o apoio e a educação.
A música começou a impor-se-lhe como vocação ainda em criança: aos doze anos estava tão imbuído das influências de compositores alemães (Rosenmüller) e italianos (Caldara e Corelli), que estreou com sucesso a primeira ópera.
A mudança para Leipzig visou dotá-lo da futura carreira de homem de leis, mas os estudos de Direito foram preteridos tão-só o burgomestre da cidade lhe descobriu o verdadeiro talento, passando a encomendar-lhe uma cantata quinzenal para ser interpretada por Johann Kuhnau na igreja de São Tomás. Foi caminho andado para tomar conta da Ópera da cidade e fundar o Collegium Musicum com que organizou concertos públicos.
Aos vinte e quatro anos o Conde Erdmann von Promnitz aliciou-o para Sorau, fazendo-o seu mestre de capela. E como a música da corte de Luís XIV o apaixonava, o compositor criou em sua intenção obras inspiradas em Lully e Campra.
As influências não se ficaram por aí: ao acompanhar as viagens do aristocrata pelas suas propriedades na Polónia, entrou em contacto com a riqueza da música popular e das danças eslavas, que surgiriam doravante nalgumas das suas obras.
Em 1706 conhece Bach e tornam-se amigos tão próximos, que é convidado para padrinho do seu segundo filho, Carl Philipp Emmanuel.
Durante alguns anos instala-se em Frankfurt, mas será em Hamburgo, que se fixará - em 1721 - até à morte quarenta e seis anos depois. Pelo meio fará numerosas viagens, uma delas a Paris em 1737.
Na cidade hanseática dirigiu a música de cinco das suas igrejas e satisfez as encomendas de várias cortes europeias, que a ele recorreram para novas obras a aí serem interpretadas, mormente quartetos de cordas de que se consagraria como um dos principais pioneiros. A primeira revista alemã dedicada à música foi por ele criada em 1728 (“Der getreue Music-Meister”) e deu-se ao prazer de cultivar o seu jardim para o qual Haendel lhe costumava enviar bolbos de tulipa e de jacinto.
O espírito das Luzes interessaram-no tanto, que dedicou muito do seu tempo a estudar as ideias dos filósofos e os escritos dos seus poetas e romancistas. Nesse sentido, embora não vivendo em França, ele personificou o espírito enciclopedista, que esteve presente nos mais brilhantes criadores do seu tempo.
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