É um esforço que perdura desde há mais de quarenta anos: a historiadora Claudine Brécourt-Villars tem-se especializado, em títulos sulfurosos, resultantes dos seus estudos sobre os temas mais polémicos da língua e literatura francesa.
No caso deste título, publicado em janeiro pela prestigiada Gallimard, esforça-se por criar um glossário de vocábulos ignorados ou retirados da maioria dos dicionários por terem sido estigmatizados como vernáculo. E, no entanto, desde Villon a Virginie Despentes, de Apollinaire a Zola, a literatura francesa é riquíssima em palavras e expressões mantidas na sombra pelo preconceito de um certo discurso politicamente correto desejoso de não hostilizar a ortodoxia feminista.
A autora pretende garantir-lhes a legitimidade igualitária, tanto valorizando o que se diz no convento como no bordel. Daí a razão do título.
Revelando irrepreensível erudição, Claudine Brécourt-Villars explicita a riqueza vocabular utilizada por proxenetas e meretrizes, carteiristas e outros larápios que tais, e transformando-se em função da versátil utilização. E exemplifica com substantivos que só sobrevivem em romances há muito esquecidos ou nos filmes do início do cinema sonoro.
Há igualmente histórias saborosas como as que foram protagonizadas pelas prostitutas do tempo da Revolução Francesa, que vendo os tribunos eliminarem os títulos honoríficos da aristocracia, julgaram possível proibir os termos mais ofensivos com que eram tratadas. Mas, embora escolhendo uma porta-voz, que tivera como clientes muitos dos deputados da Constituinte, não conseguiriam grande sucesso nessa intenção emancipadora.
Estórias e histórias de igual interesse vão surgindo ao longo das quase trezentas páginas. O resultado é uma antologia sobre os universos da prostituição e do crime organizado elucidando-se as etimologias neles encontradas, na pluralidade e transformação dos seus significados.
Nos dias de hoje muito desse vocabulário desapareceu ou está em vias de conhecer tão drástico epílogo. Daí o interesse por essa verdadeira ilha do tesouro, cada vez mais submersa pelas ameaças da modernidade, e aqui embarcada num precário navio fantasma, que tenta salvaguardar tão singular riqueza enquanto for possível.
E se tal esforço em terras gaulesas é digno de admiração, quão excelente seria se o víssemos replicado entre nós. É que, desde os romances de cordel a Bocage, passando pelas medievas cantigas de escárnio e maldizer e culminando no Pacheco do século XX, alguém com a mesma curiosidade e argúcia de Claudine Brécourt-Villars encontraria, por certo, um riquíssimo manancial vocabular que muito nos permitiria valorizar a nossa língua. É que basta entrarmos num alfarrabista e folhearmos livros com algumas décadas para concluirmos quantas palavras e expressões perdemos pelo caminho, utilizando um universo sintático cada vez mais empobrecido.
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