Podem existir realizadoras no cinema de ação? Kathryn Bigelow demonstra que sim, conseguindo cumprir os cânones do género, mas não deixando de o condimentar com momentos reveladores de um tipo de sensibilidade diferente do que nele costumamos constatar.
«The Hurt Locker», que entre nós se chamou «Estado de Guerra», passa-se no Iraque e mostra como o exército norte-americano é ali um corpo estranho, sem nunca conseguir a mínima empatia com quem se considera alvo de ocupação militar.
Se risco havia de ver recuperados os valores reaganianos justificativos das agressões imperialistas, depressa se compreende quanto em causa aqui fica a política seguida pela Casa Branca durante os dois mandatos de George W. Bush.
Bigelow equaciona o que significa ser herói na circunstância, em que o vício da adrenalina se sobrepõe a quaisquer valores morais ou patrióticos, que poderiam fundamentar a aparente condição.
Não é pelo orgulho de vir das terras do Tio Sam, que James se empolga com a possibilidade de ir neutralizando as ameaças sem que lhe suscitam algum dano.
A ação decorre durante o intervalo temporal de um mês, que basta para compreender a rotina dos que, vestidos de escafandro de proteção, desarmadilham minas artesanais semeadas por toda a cidade de Bagdad.
Sucessivamente vemos exemplificadas as diversas maneiras de estilhaçar um soldado norte-americano com bombas, ora escondidas no lixo ora em viaturas, sem esquecer a possibilidade de se encherem reféns com cintos de explosivos e direcioná-los para os alvos. Sequência a sequência a tensão repete-se sempre em torno da pergunta: explode ou não explode?
Para dar alguma complexidade a essa estrutura narrativa depressa sentida como repetitiva, Bigelow adota por protagonista um soldado especial, que secundariza a família ao seu vício de pisar diariamente a instável linha entre a vida e a morte. Quando, no final de uma campanha regressa a casa e junta-se à mulher e ao filho no supermercado, onde nem sequer consegue optar entre as centenas de marcas de cereais, conclui não ser ali o seu lugar. Não podendo deixar de ser quem é, vemo-lo de regresso ao Iraque, imaginando-o a repetir missão após missão até o acaso ou a distração lhe garantirem o definitivo passamento.
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