No hiato entre o último Paul Auster e um excelente James Salter («Tudo o que Conta»), que já me prendeu à leitura logo nas primeiras páginas, estive a conhecer pela primeira vez o universo criativo de Zadie Smith, uma das mais conceituadas autoras britânicas dos nossos dias. Para tal optei por «O Livro dos Autógrafos», que ela publicou em 2002, e embora lhe reconheça talento e engenhosidade narrativa, não consegui sentir qualquer empatia quer com a escrita quer com os personagens.
Compreendo que o objetivo é meritório: vivemos numa sociedade onde temos dificuldade de viver a espontaneidade e originalidade sem nos sentirmos contaminados pelos estereótipos vincados pela indústria do celuloide. Que chegámos a uma época em que a identidade é mercantilizada, a raridade potencia valor e a fraude ameaça constantemente a sobrevivência do mercado. E é a demonstração dessas teses que Zadie Smith intenta ao tomar como protagonista um jovem meio-chinês, meio-judeu, Alex Li Tandem, com bastas (e já agora, desnecessárias!) referências à Tora e ao budismo zen.
Tudo começa quando Alex é um miúdo, que o pai leva a ver um combate de luta livre no Royal Albert Hall. É aí que conhece Joseph Klein, mais ou menos da sua idade, que lhe incute o gosto pelos autógrafos. Mas se este os procura obter, Alex fará deles negócio medíocre, comprando-os e vendendo-os, o que lhe rende o suficiente para uma qualidade de vida miserável num dos subúrbios de Londres.
Todo o romance, excluindo esse prólogo de treze anos antes, acontece com Alex a viver os vinte anos, bebendo em excesso e cirandando dos braços da namorada, a bela Esther, obrigada a sobreviver com um pacemaker, e a igualmente insinuante Boot, que aspiraria a ser a exclusiva detentora dos seus favores amorosos.
Há também a obsessão de Alex por Kitty Alexander, uma atriz de outros tempos que, a exemplo de Garbo, se remetera a um exílio do mundo mediático, razão para que a memorabilia com ela relacionada se tenha valorizado significativamente.
Nos anos mais recentes, Alex enviara-lhe inúmeras cartas com pequenos textos a expressar-lhe a devoção e, subitamente, sem que o esperasse, duas respostas tinham-lhe chegado como promessa de algo de superlativo a tornar-se exequível.
Aproveita então um congresso de colecionadores de autógrafos em Nova Iorque para procurar e resgatar Kitty do agente, que a mantinha em estado de clausura. Trazendo-a para Londres, beneficia da vingança desse Max, que espalha a notícia da morte da antiga atriz, para fazer negócio avultado com os muitos documentos trazidos do outro lado do Atlântico.
O final é aberto, mas pode-se presumir que Kitty viverá confortavelmente os seus últimos dias, graças à fortuna angariada por Alex e que este, depois de se fazer perdoar por Esther, encontrará nela a estabilidade amorosa.
Pelo meio de toda esta trama multiplicam-se detalhadas informações sobre o mundo singular em que Alex e os amigos vivem, alguns deles com um tipo de humor inglês nem sempre ajustável aos nossos padrões latinos.
Em suma, li, estranhei, mas nunca consegui entranhar-me com a proposta literária de uma escritora que, em romance mais recente, conseguiu a quase unanimidade crítica quanto ao seu valor.
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