1. Demoramos a perceber que Laurentino é um robô sujeito a uma experiência sobre a memória. Nos primeiros parágrafos do conto, que o designa no título - «A Memória de Laurentino G.Z.» - temos a repetição das coisas de que ele se lembra. E elas tanto parecem ter a ver com as imagens de uma aldeia onde ainda existem bandas e coretos, com vales profundos e alfarrobeiras ou falésias de xisto e sinos a repicar. Tudo se torna mais estranho, quando aparece a cúpula de uma central nuclear ou uma mulher que, num avião, conta um assombroso crime e se diz perseguida por quem a quer matar.
Acabamos por compreender que fomos levados pelas memórias induzidas numa máquina da qual os cientistas procuram resgatar a forma como as conservou.
2. A lógica não tem cabimento na história de um António que decide deixar tudo para trás e partir com Laura para uma viagem de muitos dias por uma reta infinda até a uma cidade com zigurates. Para trás ficara a descoberta de assombros perfeitos nas secretas fissuras de Briolanja, uma professora com tranças e idade para ser sua avó.
O conto intitula-se «O Amor Puro» com as descrições dos espaços, dos objetos, das personagens, a porem-nos à parte, desafiando-nos para interpretações diferentes das mais realistas. Como se a surrealidade se sobrepusesse à que tenderíamos a criar como leitores e nos facilitasse a interpretação. Por fim há a interação Eros-Thanatos. Um camião TIR mata António e a união com Laura passa a existir em dimensões diferentes.
3. Em «Um Crime Imaculado» damos com um arquiteto ansioso por um telefonema, que lhe conformará decisiva encomenda para Buenos Aires. No entretanto, e enquanto aguarda, constata o homicídio da médica a viver à sua frente.
Há igualmente a mulher fascinante, que ele vai encontrando ao acaso e com quem acaba na cama em noite de conveniente ausência do marido num congresso na Irlanda.
A coincidência de um galgo ter estado no local do crime e do adultério, leva o arquiteto a ver na amante a assassina da vizinha. Mas leva-a consigo para a Argentina vendo-a receber a mensagem da súbita viuvez por «suicídio» do legítimo.
Até ver a leitura dos contos de Luís Carmelo revela-se desafiante pela construção elaborada as intrigas e o comportamento pouco canónico dos personagens. Pressente-se a tentação de géneros populares (a ficção científica, o fantástico, o policial), mas negando-lhes a lógica narrativa, intrincando-a, distanciando o leitor do conteúdo lido. Ainda me confesso na fase da estranheza...
Sem comentários:
Enviar um comentário