Em fevereiro o Cineclube Gandaia iniciará um ciclo de filmes franceses relativamente recentes, porque todos rodados entre 2007 e 2009. O primeiro, na quinta-feira, dia 2, pelas 21 horas, será «As Canções de Amor» de Christophe Honoré, que integra o subciclo dedicado à homenagem ao realizador Jacques Demy, também presente no filme seguinte, «As Praias de Agnés», realizado por Agnés Varda, que foi a sua muito amada companheira de vida.
À partida há um casal, Julie e Ismaël, que pressentem a rotina a ameaçar-lhes a relação e por isso convidam Alice a partilhar-lhes o leito naquela que é uma das primeiras referências cinéfilas do filme, porque se pensa imediatamente em «La Maman et la Putain» de Jean Eustache.
Inicia-se aí o processo de associar Louis Garrel ao Jean Pierre Léaud dos anos 70, quer pelo penteado e aspeto físico, quer pela aparente indefinição nos seus afetos.
Ainda a mãe e a irmã de Julie estão mal refeitas por a surpreenderem pacificada nesse triângulo amoroso e já a têm morta inesperadamente, fulminada por ataque cardíaco à saída de um concerto.
Ismaël faz os possíveis por seguir em frente, mas a família dela torna-se omnipresente nos dias, quase a força-lo a partilhar-lhes o luto. A libertação faz-se através de equívoca relação com Erwann, um jovem homossexual, que se apaixona perdidamente por ele...
Em 2007 Christophe Honoré tornou-se num dos mais interessantes cineastas franceses da nova geração ao assinar este filme, que confirmou as expetativas já deixadas pelo anterior: «Dans Paris» (2006). Abordando as questões do amor e do sexo, da família e do luto, com a leveza da música pop, opta pela substituição de muitos dos diálogos ou vozes off por canções, que homenageiam Jacques Demy, e dele o fazem - mais do que François Ozon, igualmente tentado nesta via - digno sucessor.
Não é tanto o amor livre dos velhos filmes de Truffaut ou de Godard a estar aqui retomado, porque Honoré atualiza-o na fórmula da relação sem tabus, mas com novas regras, como se se tratasse de um jogo. Porque sem jogo não se é jovem, e quase todos os personagens (excluindo a família de Julie) estão dispostos a prolongar tal condição o mais duradouramente possível. Por isso, até ao momento de Julie sair de cena, as cenas com Ismaël são uma espécie de pirueta, tipo pingue-pongue verbal, ora galante, ora cruel, aqui erótico, além melancólico.
O primeiro momento musical a reter é o da cena em que a família de Julie, reunida numa refeição, se põe a queixar sobre a chuva que cai em Paris. Os versos da canção circulam com uma limpidez a que vale a pena estar atento para melhor os usufruir. A magia não tarda a dar lugar ao drama., uma vez mais a dar oportunidade ao compositor de todos os temas - Alex Beaupain - de demonstrar o talento, porque mistura-os na perfeição aos murmúrios, aos suspiros dos personagens que cantam ou lhes servem de contraponto.
Nessa altura já estamos rendidos ao universo encantatório em que as personagens femininas são fadas sexuadas e os rapazes anjos sensuais. É aí que Louis Garrel sobressai na competência com que canta e dança exprimindo com o rosto e o corpo uma diversidade ampla de emoções e sentimentos.
Poderíamos imaginar Honoré tentado a reproduzir o ambiente parisiense dos tempos áureos da Nouvelle Vague, mas, pelo contrário, aposta na urbe do presente, mestiçada e invernosa, mergulhada na bruma e no frio. Politicamente ele não prescinde de deixar mensagens subliminares nomeadamente quando Sarkozy aparece em cartazes, que o dão como ameaça em breve concretizada.
Se a morte é tema recorrente, a ela não corresponde o medo ou a resignação. O filme acaba por ser o da exequibilidade de todos os possíveis, com várias possibilidades de se viver a dois, a três, em família, em sociedade, entre homos ou heterossexuais.
O resultado é um filme bastante apelativo do ponto de vista do público, que possa apreciá-lo.
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